Proposta que trata do exercício da
Medicina e determina atividades privativas dos médicos - chamado de projeto do
Ato Médico - está entre as matérias polêmicas na agenda do Senado neste ano. O
texto tramita na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde o
relatório do senador Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), já lido, deve ser
votado na retomada dos trabalhos legislativos, em fevereiro.
A matéria (SCD 268/2002) é uma antiga
reivindicação dos médicos, que reclamam maior clareza na delimitação legal de
seu campo de atuação. Mas a categoria enfrenta críticas de todos os outros
profissionais que atuam na área da saúde, os quais temem o esvaziamento de suas
funções e a formação de uma reserva de mercado para os médicos.
Os críticos argumentam que a proposta
estabelece como exclusivas de médicos atribuições já asseguradas a outras
categorias. O texto determina, por exemplo, que cabe exclusivamente aos médicos
o diagnóstico de doenças, mas outras categorias, como psicólogos e
nutricionistas, reivindicam o direito de também atestar as condições de saúde
de uma pessoa, que engloba aspectos psicológicos e nutricionais.
Também tem sido criticada a norma que
define como privativa do médico a execução de procedimentos invasivos, que
incluem a "invasão da pele". Acupunturistas, por exemplo, temem que a
interpretação do conceito de procedimento invasivo possa restringir sua atuação
profissional.
Ainda entre os aspectos polêmicos está
a determinação de que apenas médicos podem chefiar serviços de saúde. Para
as demais categorias, a norma é um retrocesso em relação às diretrizes e
princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), de atendimento universal,
igualitário e integral, realizado por equipes multiprofissionais.
Conflito já dura dez anos
Apresentado em 2002 pelo ex-senador
Benício Sampaio, o projeto foi aprovado no Senado em 2006, na forma de
substitutivo da relatora na Comissão de Assuntos Sociais (CAS), senadora Lúcia
Vânia (PSDB-GO). Após três anos de tramitação na Câmara, a proposição foi
aprovada com diversas modificações e voltou ao Senado, em outubro de 2009, para
manifestação dos senadores sobre as mudanças sugeridas pelos deputados.
O projeto tramita agora na CCJ,
mas ainda vai passar pelas comissões de Educação (CE) e de Assuntos Sociais
(CAS), antes de ir ao Plenário. No final de dezembro, Antônio Carlos Valadares
apresentou seu relatório na CCJ, mas pedido de vista coletivo adiou a
votação da matéria.
Em seu voto, Valadares afirma ter
modificado o projeto para atender da melhor maneira possível todas as
categorias que atuam na área da saúde (veja quadro comparativo entre as
versões do texto). Para ele, a definição de requisitos legais para o
exercício da Medicina é essencial para evitar a atuação de pessoas
inescrupulosas. De outro lado, ele pondera que uma nova lei não pode avançar
sobre o que já está regulamentado para as demais profissões.
Pontos polêmicos
Desde o início da tramitação do
projeto, pelo menos cinco aspectos do texto têm gerado reações das categorias
que atuam no setor, que temem prejuízos em sua atuação profissional caso o
projeto seja transformado em lei:
Diagnósticos de doenças: no relatório
em exame na CCJ, Valadares mantém como privativa dos médicos a formulação de
diagnóstico nosológico (para determinar a doença que acomete o paciente), mas
retira essa exclusividade para "diagnósticos funcional e cinésio-funcional
[que avalia funções de órgãos e sistemas do corpo humano], psicológico,
nutricional e ambiental, e as avaliações comportamental e das capacidades
mentais, sensorial e perceptocognitivas".
Os deputados haviam mantido como
exclusivo do médico o diagnóstico funcional, sob argumento, por exemplo, de que
no pós-operatório de cirurgias ortopédicas, é atribuição do cirurgião avaliar a
função do membro ou órgão operado. A restrição, no entanto, desagradou
fisioterapeutas e fonoaudiólogos, profissionais responsáveis por avaliar a
capacidade do paciente de, entre outros, realizar movimentos como subir escada,
escovar os dentes, articular sons ou levar a comida à boca.
Em seu voto, Valadares retirou a
exclusividade para esses diagnósticos funcionais, mas manteve como atribuição
reservada aos médicos a prescrição de cuidados pré e pós-operatórios.
Assistência ventilatória mecânica ao
paciente: o texto aprovado em 2006 no Senado previa como exclusiva dos médicos
a "definição da estratégia ventilatória inicial" e a "supervisão
do programa de interrupção da ventilação" - procedimento de intubação do
paciente acoplada a equipamento que bombeia ar aos pulmões. A norma foi
questionada pelos fisioterapeutas, profissionais também envolvidos no
atendimento a pacientes com dificuldade respiratória, especialmente nas
unidades de terapia intensiva (UTI). Conforme emenda da Câmara acolhida por
Valadares, caberá exclusivamente aos médicos a "coordenação da estratégia
ventilatória inicial e do programa de interrupção da ventilação mecânica".
Com a mudança, fica assegurada a participação de fisioterapeutas na estratégia
de ventilação mecânica.
Biópsias e citologia: Valadares
rejeitou mudança da Câmara que limitava aos médicos a emissão dos diagnósticos
de anatomia patológica e de citopatologia, que visam identificar doenças pelo
estudo de parte de órgão ou tecido. A emenda dos deputados foi criticada por
biomédicos e farmacêuticos, sob a alegação de que restringia sua liberdade de
atuação.
Em debate no Senado, representantes
dessas categorias afirmaram que a análise citopatológica (para estudo, por
exemplo, de células para a identificação de câncer) representa uma
"interpretação" do material colhido e não um "diagnóstico
médico". Valadares retirou a restrição para emissão desse tipo de
diagnóstico, mas manteve como tarefa restrita aos médicos a "emissão de
laudos de exames endoscópicos e de imagem, dos procedimentos diagnósticos
invasivos e dos exames anatomopatológicos". A anatomopatologia é o estudo
das partes do organismo alteradas por processos patológicos.
Procedimentos invasivos: o projeto em
análise prevê como atribuição exclusiva de médicos a indicação e a execução de
"procedimentos invasivos, sejam diagnósticos, terapêuticos ou estéticos,
incluindo acessos vasculares profundos, biópsias e endoscopia". Pelo
texto, tais procedimentos incluem, entre outros, "invasão da epiderme e
derme com o uso de produtos químicos ou abrasivos" e a "invasão da
pele atingindo o tecido subcutâneo da pele para injeção". A norma motivou
reação de acupunturistas e até mesmo de tatuadores, que temem enfrentar
restrição em seu campo de atuação por conta da interpretação de conceito de
procedimento invasivo.
Valadares manteve a norma em seu
relatório, mas retirou da lista de atribuições exclusivas dos médicos a
"aplicação de injeções subcutâneas, intradérmica, intramusculares e
intravenosas", apesar de a recomendação de medicamentos a serem aplicados
por injeção continuar sendo uma prerrogativa médica.
Direção e chefia: pelo texto em
análise, apenas médicos podem ocupar cargos de direção e chefia de serviços médicos.
As demais categorias que atuam no setor consideram a norma um desrespeito aos
outros profissionais que atuam em ambulatórios, centros de saúde, centros de
atenção psicossocial e nos núcleos de apoio à saúde da família. Eles argumentam
que o atendimento é feito por uma equipe multidisciplinar, não havendo
justificativa para que apenas uma categoria tenha a prerrogativa de direção e
chefia na unidade de saúde.
Fonte: Senado Federal
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