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domingo, 3 de outubro de 2010

País vai às urnas sem que se saiba se votos em candidatos barrados pela Lei da Ficha Limpa serão válidos


BRASÍLIA - A primeira eleição disputada após o Congresso aprovar a Lei da Ficha Limpa ocorrerá em meio à incerteza sobre a validade dos votos de quem foi até agora barrado pela nova legislação. Mais de cem candidatos a deputado, senador e governador em todo o país não sabem se assumirão os cargos, mesmo recebendo votação suficiente para isso.

De início, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) vai considerar nulos os votos dados a candidatos sem registro eleitoral. Eles só poderão ser eleitos se obtiverem sucesso em recursos junto ao próprio TSE ou no Supremo Tribunal Federal. Nesse caso, os votos passarão a ser válidos.

Até sexta-feira à noite, o TSE tinha recebido 175 recursos relativos à Lei da Ficha Limpa, dos quais apenas 61 tinham sido julgados. Parte deles é de candidatos barrados pelos Tribunais Regionais Eleitorais e que recorreram ao tribunal superior para obter o registro. Os outros recursos são do Ministério Público Eleitoral, que tenta impedir, no TSE, com base na Lei da Ficha Limpa, candidaturas aceitas pelos TREs.

Sandra Cureau: "Ninguém foi colhido de surpresa"

O TSE não especificou quantos dos 175 recursos foram apresentados por candidatos e quantos pelo Ministério Público Eleitoral. Levantamento divulgado no início da semana passada pelo site Congresso em Foco listou 239 candidatos barrados com base na Lei da Ficha Limpa. O número mudou nos últimos dias, pois o TSE aceitou recursos e liberou candidaturas como as de Jackson Lago, ex-governador do Maranhão, e Ronaldo Lessa, ex-governador de Alagoas, que tentam voltar ao cargo.

A subprocuradora-geral eleitoral, Sandra Cureau, critica a indefinição, mas lembra que nenhum candidato foi surpreendido, já que a Lei da Ficha Limpa foi aprovada em junho. Ou seja, tinha sido aprovada e sancionada antes do registro das candidaturas:

- As causas de inelegibilidade e as condições de elegibilidade são aferidas pela Justiça Eleitoral no momento do pedido de registro de candidatura e, naquele momento, em julho, a Lei Complementar 135/2010 já estava em vigor. Portanto ninguém foi colhido de surpresa - diz a subprocuradora. - É preocupante essa indefinição sobre a validade ou não para estas eleições, porque confunde o eleitor e prejudica os candidatos e o exercício democrático do voto.

Para Sandra Cureau, o empate no julgamento do Supremo sobre a validade da lei deveria ter levado a Corte a decidir que valia a posição do TSE, que decidiu aplicar a Ficha Limpa já este ano.

O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ophir Cavalcante, também vê problema na incerteza jurídica:

- A eleição vai ficar sub judice. Cria-se uma situação de insegurança para o eleitor e para os candidatos. Ninguém sabe qual o destino de seu voto.

A decisão sobre a aplicação da Lei da Ficha Limpa nestas eleições será tomada pelo Supremo Tribunal Federal, que já poderia ter batido o martelo, ao julgar recurso do ex-governador do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC), em setembro. Mas houve empate em 5 a 5, e os ministros suspenderam a sessão.

A falta de definição levou Roriz a renunciar à candidatura e lançar a mulher, Weslian, em seu lugar. Diante da desistência do candidato, o Supremo arquivou o processo sem tomar uma decisão. Com isso, políticos campeões de voto nos seus estados não sabem se, uma vez eleitos, poderão assumir ou não. É o caso do candidato a deputado federal Paulo Maluf (PP), que concorre em São Paulo, e do candidato a senador Jader Barbalho (PMDB), no Pará.

O presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), Mozart Valadares, admite que a indefinição é um problema. Ele comemora, porém, o fato de o Supremo ter decidido que a lei é constitucional. O que falta julgar é apenas se a sua aplicação terá início já em 2010 ou em 2012.

- Infelizmente, temos uma indefinição. Houve empate e isso gera incertezas, dúvidas na cabeça do eleitor e dos candidatos sub judice. O eleitor não tem a certeza se, votando num candidato, ele vai poder exercer o mandato. O ideal é que o Supremo tivesse decidido essa questão antes de 3 de outubro. Mas a grande vitória é que a lei está preservada - diz Valadares.

Em Rondônia, o candidato a governador Expedito Júnior não obteve o registro. No Pará, na mesma situação está o candidato a senador Paulo Rocha, do PT, e no Distrito Federal, a candidata a senadora Maria de Lourdes Abadia, do PSDB.

O cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), considera a Lei da Ficha Limpa um avanço. Mas vê problemas no fato de ainda estar indefinida a aplicação da lei este ano. Fleischer lembra que a composição da Câmara dos Deputados só será definida após o Supremo dar a palavra final. Para ele, porém, as restrições da lei aplicadas pelos Tribunais Regionais Eleitorais e pelo TSE surtiram efeito:

- Em vários lugares, os impugnados levaram o beijo da morte e caíram muito nas pesquisas - diz Fleischer. - A impugnação afetou bastante a opinião dos eleitores.

No site da Ficha Limpa, só 77 inscritos

Lançado para dar destaque a candidatos com ficha limpa nestas eleições, o site batizado com o nome da lei está longe de ser um sucesso, pelo menos entre os políticos. A tentativa de mostrar candidatos sem problemas judiciais deu poucos resultados: até a semana passada, em todo o país, apenas 77 candidatos se inscreveram.

Somente um dos candidatos à Presidência registrou seu nome: Plínio de Arruda Sampaio, do PSOL. São cinco os candidatos a governador inscritos no site, entre eles Fernando Gabeira, do PV do Rio. Há também oito candidatos ao Senado e 63 a deputado federal.

A Lei da Ficha Limpa foi proposta por iniciativa popular. O Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que reúne 47 entidades, como a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), coletou 1,7 milhão de assinaturas.

Jovita José Rosa, diretora social da União Nacional dos Auditores do Sistema Único de Saúde (SUS) e diretora do MCCE, diz que a nova legislação já está ajudando a melhorar a política nacional, e que, apesar da indefinição na Justiça, o eleitor pode fazer a diferença:

- Podem pairar dúvidas sobre a validade da aplicação da lei nesta eleição, mas o eleitor já pode fazer valer a Lei da Ficha Limpa agora.

Fonte: http://oglobo.globo.com

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