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quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Previdência: por que a França protesta


Manifestações contra reforma da aposentadoria proposta pelo presidente Nicolas Sarkozy agitam o país

Um projeto do governo do presidente Nicolas Sarkozy de elevar a idade mínima para a aposentadoria levou nos últimos dias centenas de milhares de franceses às ruas. Ao mesmo tempo, paralisações nas refinarias e no setor de transporte aéreo, entre outros, agitam o país, às vésperas da votação final da proposta no Senado francês.

Protestos e greves contra um projeto de reforma da previdência proposto pelo governo, que tem como principal ponto o aumento da idade mínima para a aposentadoria – de 60 para 62 anos –, sacodem a França de Norte a Sul e já deixam o país europeu semiparalisado. Ontem, estudantes, sindicalistas e aposentados voltaram em massa às ruas. Conforme o Ministério do Interior, cerca de 1,1 milhão de manifestantes participaram de 266 passeatas contra os planos do presidente Nicolas Sarkozy, em cidades como Paris, Marselha e Lyon. Para os sindicatos, o número real foi mais do que o triplo, 3,5 milhões. O projeto já foi aprovado pela Assembleia Nacional (Câmara dos Deputados) e deve ser votado hoje ou amanhã pelo Senado. A proposta também eleva de 65 para 67 anos a idade mínima para a aposentadoria com benefícios integrais.

Em meio às manifestações de rua – algumas marcadas pela violência e por confrontos com a polícia –, as 12 refinarias de combustível francesas permanecem fechadas devido à greve dos funcionários do setor contra a reforma. Resultado: pelo menos 2,5 mil postos estão sem gasolina para vender. Em resposta, Sarkozy anunciou que a polícia vai intervir nos depósitos e refinarias bloqueados.

– Existem pessoas que querem trabalhar, a imensa maioria, e elas não podem ser privadas de combustível – afirmou Sarkozy, prometendo reprimir os “desordeiros”.

– A questão de abastecimento será resolvida em quatro ou cinco dias – garantiu, por sua vez, o primeiro-ministro François Fillon, reiterando que a lei será votada e aprovada.

De acordo com uma pesquisa publicada pelo jornal Libération, 79% dos franceses desejam que Sarkozy volte a negociar com os sindicatos e 67% apoiam a onda de paralisações. Os trabalhadores das refinarias encerraram ontem a passeata parisiense e foram um dos grupos mais aplaudidos pelas pessoas nas calçadas.

Dezenas de voos foram cancelados

As paralisações também atingem outros setores, como o de transporte aéreo. Mais de 50% dos voos foram cancelados no aeroporto de Orly, em Paris, e 30% dos voos não partiram dos outros aeroportos do país, incluído o Roissy-Charles de Gaulle, o maior do país e também na capital francesa. Segundo a assessoria de imprensa da Air France, não houve nenhum cancelamento ou atraso nos voos da França para Brasil, porque somente os de curta e média distância foram afetados. Os voos da TAM para Paris também não foram atingidos.

Conforme o Ministério da Educação, pelo menos 379 escolas de Ensino Médio foram bloqueadas por estudantes. Em Marselha, no sul do país, os lixeiros entraram em greve, deixando pilhas de lixo pelas calçadas das ruas da cidade.

Para eles, trabalhar é coisa do passado

Grégoire mora não muito longe aqui de casa, no 19ème arrondissement de Paris. Tem 38 anos. Em 2005, cansado do “sofrimento psíquico” do trabalho como técnico em informática, resolveu parar de trabalhar. Antes, ganhava 2 mil euros (R$ 4,6 mil) por mês. Nos primeiros dois anos sem fazer nada, ganhou 1,2 mil euros do governo. Hoje, a barbada caiu para 650 euros (R$ 1,5 mil) mensais. Mas ele segue firme no propósito de não mais integrar o mundo do trabalho. Gasta 410 euros no aluguel de um quitinete e passa 90% do seu tempo em casa, jogando videogame.

– Trabalhei durante nove anos. Ao final, senti aborrecimento e frustração. Hoje, recuso todas as ofertas de trabalho. Temo pelo dinheiro, mas o sofrimento ligado ao trabalho era grande demais – contou Grégoire à revista descolada Les Inrockuptibles.

Trabalhar é coisa do passado. Os franceses não querem mais trabalhar e, para deixar isso claro, há dias estão tomando as ruas de Paris e de outras cidades para protestar. Fazendo greve, claro, para que o trabalho não atrapalhe a manifestação. O objetivo é barrar a reforma da previdência proposta por Nicolas Sarkozy. A França tem a duração de trabalho regulamentar mais curta da Europa – o pessoal, por aqui, se aposenta aos 60 anos. A conta da previdência, claro, não fecha mais, e o Legislativo deve aprovar nova idade para colocar o pijama: 62 anos. Os franceses ficaram indignados.

Grégoire foi uma das 10 pessoas entre 25 e 40 anos entrevistadas pela revista. Elas não se conhecem umas às outras, mas já integram um movimento: o dos jovens franceses que não veem mais no trabalho a fonte de suas realizações. Essa geração está retratada no livro recém-lançado Libre, Seul et Assoupi (Livre, Sozinho e Sonolento), de Romain Monnery.

Eu pensava que as manifestações são para proteger um direito adquirido e diziam respeito apenas aos sessentões. Aparentemente, não há maior relação com esse fenômeno dos jovens aposentados. Mas talvez só aparentemente. Percebi isso ao tropeçar, entre as milhares de pessoas, em batalhões de adolescentes que vieram direto dos lycées. As escolas francesas aderiram em massa aos protestos desta semana.

Tá aí: trabalhar é coisa moderna demais para a pós-modernidade. E não existe nada mais velho do que a modernidade por aqui. Está lá, escrito na porta de um dos banheiros da Universidade Sorbonne, os mesmos de Maio de 68, pichado por algum jovem intelectual bastante ocupado com suas atividades intestinais: “O trabalho mata”.

Popularidade em queda livre

Acuado por uma série de crises, o presidente da França, Nicolas Sarkozy, recebeu ontem, finalmente, uma boa notícia, enquanto os protestos contra sua reforma da previdência rugiam do lado de fora do Palácio do Eliseu, em Paris, e nas ruas das cidades de todo o país. A Comissão Europeia, o órgão executivo da União Europeia (UE), decidiu suspender o processo contra a França pelas controversas expulsões de ciganos romenos e búlgaros.

Mas é uma gota de notícia positiva em um Rio Sena de incomodações. O mesmo Sarkozy que brilhou na arena da diplomacia (ao fazer as pazes com os EUA, por exemplo, depois do estremecimento das relações provocado pela invasão do Iraque) e nas páginas das revistas de fofocas (ao se casar com a ex-modelo e cantora Carla Bruni) agora enfrenta denúncias de doações irregulares para a campanha eleitoral, duras críticas devido ao tratamento dado aos ciganos e uma rebelião geral no país em razão do aumento da idade mínima para a aposentadoria. Não é de admirar, portanto, que a popularidade do presidente tenha caído em outubro para seu nível mais baixo desde a posse, em 2007: 72% dos entrevistados, segundo uma pesquisa do instituto TNS Sofres, disseram que não confiam em Sarkozy para resolver os problemas da França. Definitivamente, não será fácil para ele se reeleger em 2012.

No Brasil, ninguém discute reformas

Às vésperas do segundo turno da eleição presidencial e a despeito da aparente tranquilidade dos candidatos em torno da saúde financeira da Previdência no Brasil, especialistas alertam: a situação é crítica.

– Estamos dormindo em berço esplêndido. Ninguém discute reformas previdenciárias, mas, em breve, o país vai sofrer as consequências. Nas campanhas, só vemos contos da carochinha – critica o economista Raul Velloso.

Mesmo com as projeções de crescimento do déficit da Previdência – somente em agosto, o governo federal precisou desembolsar R$ 5,4 bilhões para fechar as contas –, Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB) não apresentaram propostas para reequilibrar as contas da seguridade social. Seus programas de governo sugerem apenas mudanças cirúrgicas nas diretrizes. Serra ainda promete um aumento de 10% a aposentados e pensionistas, o que elevaria em cerca de R$ 6 bilhões anuais o rombo na Previdência.

Artífice do fator previdenciário, o PSDB vive um dilema. Apesar da simpatia de Serra pelo dispositivo que inibe aposentadorias precoces, o tucano teme perder votos ao defender a continuidade da regra. Para aprofundar o debate no partido, ele encomendou um estudo a uma comissão de notáveis.

No PT, o fator é considerado um mecanismo injusto – porém necessário para evitar prejuízos maiores às finanças previdenciárias. Parlamentares e técnicos do governo avaliam a criação de uma fórmula alternativa, mas não há consenso. Com o apoio da oposição, o senador Paulo Paim (PT) conseguiu aprovar neste ano o fim do dispositivo. Entretanto, o projeto foi vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Para driblar polêmicas, Dilma evita se comprometer com eventuais mudanças.

Fonte: http://www.clicrbs.com.br

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