Gastos em alta, déficit externo crescente, reformas na gaveta - é assim o lado sombrio da política econômica recebida por Dilma Rousseff
Tanto entre políticos quanto entre empresários e seus pares na administração pública, a presidente eleita, Dilma Rousseff , é conhecida como uma mulher de pulso forte, que não mede palavras quando dá ordens e cobra o que determina. Há quem diga que ela exagera, mas, quando se olha a tarefa que tem pela frente, seu jeito trator de ser nunca pareceu tão apropriado. Dilma terá de ser dura para lidar com parte da herança econômica deixada por seu antecessor e padrinho político, Luiz Inácio Lula da Silva. Nessa área, o Brasil que será deixado por Lula tem duas faces bem distintas. A mais conhecida é embalada pela euforia. Nela, o consumo está em alta, e a desigualdade social, em queda. A taxa de desemprego caiu para 6,2%, a menor desde 2002. Aos olhos dos investidores estrangeiros, o país virou uma terra de oportunidades, cujo crescimento vai superar 7% neste ano, expansão que não se vê desde 1986, ano do malbaratado Plano Cruzado. Esse Brasil que canta e é feliz levou Dilma à vitória. Mas a herança de Lula tem um lado sombrio. Neste, o Estado alimenta um círculo vicioso.
O governo tem aumentado gastos e elevado a dívida pública para alimentar o consumo e fornecer empréstimos subsidiados a empresas estatais e privadas. Com isso, impulsionou a demanda além da capacidade de oferta do mercado, o que gera pressão inflacionária. Para manter a inflação dentro da meta, o Banco Central tem de sustentar o juro básico em nível elevado. Hoje, o juro real no Brasil é superior a 5%, enquanto a média internacional está em 0,6%. Quanto mais alta é a taxa oferecida nos títulos públicos, mais ela concorre com os demais investimentos, inclusive com os de infraestrutura. Por isso, apesar de o Brasil estar a pleno vapor, a taxa de investimento total na economia ainda é de 18% do PIB ao ano, de longe a menor entre os países do Bric - a China investe 40%. Neste momento em que a economia dos países desenvolvidos patina e há uma guerra cambial em curso, os juros graúdos do Brasil também servem para atrair capital especulativo e forçar a valorização do real - o que desacelera as exportações de manufaturados, incentiva as importações e eleva o déficit em conta-corrente. Para cobrir o déficit, o governo precisa de financiamento externo - e juros altos. Esse mecanismo intrincado é considerado uma herança nefasta para o desenvolvimento no longo prazo.
Para muitos economistas, esses dois lados do Brasil estão prestes a se chocar: a política expansionista do governo vai gerar efeito oposto ao desejado e restringir o crescimento. Tanto é assim que a previsão do PIB cai dos quase 8% deste ano para 4,5% em 2011. A questão que se coloca é conhecida. "A história econômica registra que não há crescimento sustentável com aumento de gastos e de dívida", diz o economista Claudio Haddad, presidente da escola de negócios Insper. "O próprio Brasil já tentou isso nos anos 70 e pagou caro por esse tipo de política." Ainda não é possível afirmar se Dilma compartilha ou rechaça a opinião da maioria dos economistas e analistas de mercado. Teremos de esperar para ver.
Meta ambiciosa
Diferentemente de Lula, considerado um ser político na essência, Dilma tem mais proximidade com temas econômicos. Formou-se em economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e foi aluna no mestrado e no doutorado da Universidade de Campinas. Isso explica sua especial atenção ao tema. Mal a apuração lhe deu a vitória, anunciou que vai perseguir uma meta de juro real de 2% ao ano até 2014. A declaração mostra que ela sabe onde o problema está. A futura presidente, no entanto, ainda não explicou como pretende reduzir os juros. Um dos sinais que já deu, a julgar por notícias recentes, é que concentraria em suas mãos a gestão da economia. "Sou eu a responsável", disse. Isso implicaria, segundo uma reportagem publicada em O Estado de S. Paulo, substituir o atual presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, por alguém que não se interpusesse a uma decisão de forçar a redução da taxa básica de juro. No primeiro dia de circulação de rumores a esse respeito, em 8 de novembro, quando esta edição foi fechada, as taxas de juro no mercado futuro de juros subiram 2%.
A queda dos juros é vista hoje como essencial para o crescimento sustentável do Brasil. "Se queremos ter um crescimento de longo prazo, temos de mirar esse alvo", diz o economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real. "Isso significa estancar o atual descontrole do gasto e do crédito público e sua pressão sobre a inflação. Outra medida necessária é desmontar os mecanismos de indexação que ainda existem." Economistas consultados por EXAME disseram que só um ajuste drástico permitiria uma queda expressiva da taxa de juro em tempo curto. Se quiser mesmo atingir em 2014 um juro de 2% ao ano, será preciso cortar pela metade a dívida pública líquida e dobrar a meta de superávit primário. "Na melhor das hipóteses, a política atual aponta para uma taxa real que poderá ficar em torno de 4,5%, ou seja, um juro nominal da ordem de 9%", diz Sérgio Vale, economista da consultoria MB Associados.
A grande questão é que, para cumprir sua meta, Dilma terá de resgatar parte da política do governo Fernando Henrique Cardoso, como fez o então ministro Antonio Palocci no primeiro mandato de Lula. De Palocci, aliás, ainda não se sabe ao certo qual o papel que ocupará no governo Dilma - sua unção para um ministério forte, como Fazenda ou Casa Civil, seria interpretada como um sinal de uma política fiscal mais conservadora. Se, porém, vingarem os cenários de manutenção do ministro Guido Mantega na Fazenda ou sua substituição por Luciano Coutinho, atual presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, é mais razoável esperar um governo expansionista - ou desenvolvimentista, como prefere se denominar. A estabilidade que levou ao crescimento foi criada com base num tripé que incluiu a realização de superávit primário, o cumprimento de metas de inflação e a convivência com um câmbio flexível. Apesar de a tríade ter sido mantida na gestão Lula, pode-se dizer que foi corrompida em seu segundo mandato.
Há cinco anos, a meta empacou em 4,5%, sinalizando que a autoridade monetária tem problemas para lidar com a demanda doméstica aquecida. A pior situação é a do superávit primário. O aumento dos gastos públicos chegou a tal nível que compromete a capacidade do governo de acumular recursos para o pagamento da dívida. Segundo dados do Ministério da Fazenda, os gastos passaram de 15% do PIB, no final da gestão FHC, para 18%, neste ano. No mesmo período, o superávit primário caiu de 3,2% para 2,3% do PIB. A própria concepção de como gerar o superávit foi adulterada. Há cinco anos, o governo passou a manipular essa contabilidade. A artimanha mais recente foi contabilizar como receita o investimento do BNDES na capitalização da Petrobras. "O superávit primário perdeu a credibilidade", diz Mansueto Almeida, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "Morreu e só falta ser enterrado."
"O que Dilma fará ainda é uma incógnita", diz o cientista político Bolívar Lamounier. "Os sinais são contraditórios." A favor da presidente eleita estão as declarações feitas logo após o anúncio de sua vitória nas urnas. Na ocasião, Dilma reforçou o compromisso com a estabilidade da economia e com uma gestão pública mais eficiente. Se for por esse caminho, para iniciar um ajuste fiscal ela teria de conter o reajuste das aposentadorias, que são indexadas ao salário mínimo. Os custos com a Previdência são quase a metade das despesas. Pela regra, o reajuste do mínimo embute a média do crescimento do PIB dos dois anos anteriores e teria de ser zero. Dilma, no entanto, anunciou que atenderá ao chamado das centrais sindicais para discutir o reajuste. No dia seguinte à vitória, afirmou também que pode negociar com os governadores a reedição do imposto sobre o cheque, a CPMF - um começo nada animador.
Fonte: http://exame.abril.com.br
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