Ganhos do exame são maiores que erros, mas é preciso mais cuidado na aplicação. Para especialistas, descentralização não é solução
Mais de 3 milhões de estudantes aguardam o fim da batalha jurídica que envolve o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) para conseguirem traçar o próprio futuro. Desde o último fim de semana, uma série de problemas de logística e de organização causou insegurança nos jovens que apostaram na avaliação para buscar uma vaga nas universidades federais do País.
O ano passado foi o primeiro em que o Enem passou a valer vagas em federais. Muitas utilizaram as notas do exame como único critério de seleção de candidatos. Este ano, em 23 acontecerá o mesmo. Durante esse processo de mudança, o exame sofreu o primeiro abalo: uma prova foi furtada da gráfica que imprimia os testes às vésperas da aplicação da prova, que foi cancelada pelo Ministério da Educação.
Para este ano, a expectativa era grande. A consolidação do exame – cuja utilização pelas federais aumentou e o número de inscritos também – dependia de uma realização sem atropelos. Isso não aconteceu. A pergunta que estudantes, professores e pais se fazem nesse momento é: vale a pena insistir no Enem? Para os especialistas ouvidos pelo iG, sim. Os ganhos com a avaliação são superiores aos problemas.
Leandro Tessler, ex-coordenador dos vestibulares da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), afirma que a criação de uma prova nacional representa um avanço para o Brasil. “Vale a pena investir no Enem e acho que há muito o que ser melhorado ainda no processo. Mas não é pior do que só existir o vestibular”, opina.
O professor da Unicamp ressalta que a logística utilizada para aplicar provas em 1,8 mil cidades no País e para tantos candidatos é muito complicada. Para ele, é essencial que o Enem seja aplicado mais de uma vez ao ano. No entanto, ele comenta que a medida por si só não garante solução para os problemas ocorridos nesse Enem: falha de impressão nas provas e nos cartões de resposta, problemas na formação dos fiscais de salas.
“Um vestibular tem 50 mil candidatos. O Enem, 4 milhões. É muita gente e muita coisa pode dar errado. Mas há precauções que podem ser tomadas. Não dá para conferir prova por prova, mas uma gráfica como essa não pode errar. É difícil saber se um fiscal vai ser coerente em um pequeno município do interior, mas é preciso criar mecanismos para evitar esses erros. Eles não podem acontecer. Tudo isso serve para aprender”, afirma.
Segurança em foco, erros primários
Luiz Araújo, que foi presidente do Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira (Inep) entre 2003 e 2004, concorda com Tessler. Para ele, a preocupação do órgão com a segurança, para evitar que um novo vazamento acabasse de vez com a credibilidade do exame, foi tanta que os responsáveis deixaram de lado cuidados simples de logística, como a revisão atenta da matriz de impressão dos cartões-resposta.
“Houve um esforço grande do MEC para garantir a segurança, temos de reconhecer. Mas eles cometeram erros primários, que não aconteceriam na impressão de uma revista. As revisões eram providências simples. Não acho que o tamanho do exame seja o responsável pelos problemas”, afirma. “Podemos até descentralizar a prova e aplicar por regiões, mas se não forem tomados cuidados extras, as falhas se repetirão”, acredita.
Para muitos especialistas, apenas o impacto dos possíveis problemas, caso o Enem fosse aplicado mais vezes no ano, acabaria sendo menor porque a quantidade de candidatos ficaria diluída entre as diferentes datas.
Funções demais
Maria Helena Guimarães Castro, ex-secretária de Educação de São Paulo e também ex-presidente do Inep durante o governo FHC, lembra que, desde 2008, quase 3 milhões de estudantes fazem a prova anualmente e não houve problemas. “A razão das falhas não é o tamanho. Antes o Enem era uma avaliação, era uma prova menor, feita no mesmo dia, em outro modelo. Mas já era grande. Agora, o objetivo da avaliação mudou”, diz.
A secretária não concorda com a utilização da mesma prova para avaliar os estudantes e selecioná-los. E ainda certificar os estudantes que concluíram o ensino médio na Educação de Jovens e Adultos (EJA), o antigo supletivo. Para ela, as múltiplas funções do exame são o maior problema do Enem.
Ela lembra que, nos países em que exames nacionais são utilizados em processos seletivos de universidades, as notas não são critérios únicos de seleção. Tessler também concorda com esse aspecto. “Nos cursos mais disputados, as instituições poderiam adotar outros critérios além da nota do Enem”, diz.
Maria Helena acredita que é importante descentralizar a prova e aplicá-la mais vezes ao ano. Com isso, os estudantes teriam mais chances de melhorar a própria nota e o exame único não criaria tanta expectativa nos jovens. Para isso, porém, o MEC ainda precisa aumentar e muito o banco de itens que já construiu. Hoje, ele possui 10 mil itens, em média. Para aplicar sete vezes ao ano, como ocorre nos Estados Unidos, precisaria ter 100 mil.
Fonte: http://ultimosegundo.ig.com.br
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