Não conheço quase nada de Julian Assange e um pouco sobre o WikiLeaks, uma organização sem fins lucrativos que está abalando o mundo. (Ah, o site não entra? Então, tente este). Em síntese, Julian A. é o fundador do site, existente há quatro anos, que divulga informações sigilosas de suposto interesse público.
Depois de divulgar, sem muita repercussão, alguns documentos da guerra no Iraque, o WikiLeaks vazou cerca de 250.000 documentos de comunicação entre embaixadas dos Estados Unidos. Foi o bastante para que uma implacável caçada ao site e ao seu fundador fosse empreendida globalmente.
Por isso o primeiro link não funciona mais. O site era hospedado em um servidor da Amazon, que, com a repercussão do caso, resolveu tirá-lo do ar. Depois disso, o PayPal, site de transações financeiras, também passou a boicotar o WikiLeaks, impedindo assim que doássemos dinheiro para este por meio dos seus sistemas.
Mais implacável ainda, as bandeiras Mastercard e Visa, que tinham contrato com a WikiLeaks, decidiram encerrar a parceria, estrangulando ainda mais a parte mais sensível do site, o financiamento (mas ambas aceitam doações para organizações inofensivas como… a Klu Klux Klan). Se quiserem ver até que ponto chegou a caçada, o banco suíço que tinha Julian A. como correntista bloqueou a conta do fundador. Querem matar o site por inanição financeira.
Ação ágil, a despeito da pretensa neutralidade suíça e os tortuosos e lentos caminhos que um país qualquer tem de enfrentar para ter acesso a dados de movimentações financeiras num banco suíço, mesmo com provas de dinheiro sujo, vindo de tráfico de drogas, de mulheres ou de armas. A mesma Suíça que relutou em procurar em seus bancos contas-corrente que financiavam a Al-Qaeda.
Paralelamente, a Suécia, onde a WikiLeaks tinha sede, emitiu um pedido de prisão para a Interpol por um suposto crime de estupro, ou transar sem camisinha – ou de ambos. A essa altura, Julian A. tinha virado um fugitivo internacional, como Joseph Mengele ou Viktor Bout. O Facebook e o Twitter deletaram os perfis de grupos de ativistas que apoiavam Julian A. Uma caçada global e impiedosa contra uma pessoa que cometeu o pior dos crimes: abrir arquivos dos Estados Unidos.
Na manhã de terça-feira (07/12), ele se entregou em Londres, sem direito a sursis, e ficará em custódia pelo menos por uma semana. Depois, seu futuro é incerto, podendo ser, inclusive, deportado para os Estados Unidos.
Institucionalmente, quase ninguém se manifestou sobre a arbitrariedade da prisão e o absurdo dessas ações de caça. A Repórtes sem Fronteiras manteve o mais absoluto silêncio, assim como outras entidade de defesa da liberdade de expressão. Os chefes de Estado, em geral, se apressaram para criticar o WikiLeaks, e alguns políticos, como Sarah Palin, pediram a cabeça de Julian A., literalmente. Uma das honrosas excessões foi o presidente Lula, que em discurso nesta quinta-feira (09/12) defendeu com veemência a liberdade de expressão e cobrou uma reação dos veículos de comunicação a favor do “rapaz” do WikiLeaks.
A reação não tardou, e pessoas em todo o mundo atacaram os sites do paypal, da Mastercard, da Visa, do sistema financeiro suíço e da Justiça sueca. Hackers do mundo todo estão sobrecarregando os servidores desses órgãos na tentativa de derrubá-los, e com relativo êxito, no que foi chamado de operação payback (Leia aqui o manifesto) , e sites-espelhos do WikiLeaks estão se proliferando na rede, divulgando as informações que esses governos, e muitos outros, não querem que sejam espalhadas.
Como disse, pouco sei quais seriam os propósitos de Julian A., se desestabilizar o governo de Obama em prol dos histéricos neo-cons ou se ele se imagina como um Codinome V, realmente lutando por transparência nas ações dos governos, com todas as contradições e idiossincrasias.
O fato é que a primeira guerra cibernética está em curso, como mostram as uniões de governos e de grandes empresas e, do outro lado, os outroras dissipados e concorrentes hackers.
A caça a Julian A. e ao WikiLeaks é uma forma de caça à rede, e as ações tendem a ser cada vez a seguir a tentativa de fechar o circuito. Como reza a 3ª Lei de Newton, caberá reações em igual intensidade e em sentido contrário.
De qualquer maneira, Julian A. ganhou a primeira batalha. Os governos agora temem a população, e não o contrário. Longe de tentarem se explicar, de debaterem o teor dos documentos vazados e o porquê das suas ações, criminalizaram a organização. Governos que, em nome de qualquer coisa, segurança nacional, do cuidar da população, se põem como altruístas, como sendo nós mesmos.
Para eles, que talvez evoquem o nosso nome num julgamento de Julian A., ou de qualquer outro criminalizado, deixo uma velha frase de Nietzsche: “O Estado é o mais frio dos monstros, da sua boca sai a seguinte mentira: Eu, o Estado, sou o povo.”
Fonte: Walter Hupsel
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