Filipinas inova: imigrantes são promovidos pelo Estado.
O mundo pode estar passando pelo pior momento econômico dos últimos 70 anos, mas a migração internacional, uma força cada vez maior, dá poucos sinais de recuo.
Globalmente, o número de migrantes não diminui, e no ano passado eles enviaram mais dinheiro para casa do que o previsto. Muitos migrantes perderam seus empregos, mas poucos decidiram voltar para casa, mesmo se alguém pagasse.
Em alguns lugares, a demanda por mão de obra estrangeira cresceu.
Do poder legislativo do Arizona até a Calábria, críticos alertam que fronteiras porosas prejudicam os trabalhadores locais, ameaçam culturas nativas e aumentam a criminalidade. Porém, nem mesmo uma crise de grande magnitude reduziu o fluxo migratório como esperado, revelando, em vez disso, as forças persistentes que mantêm os migrantes se aventurando no exterior.
Talvez nenhum lugar exemplifique melhor a sedução da migração quanto as Filipinas, um país de quase 100 milhões de habitantes, onde um quarto da força de trabalho atua no exterior. Apesar da cambaleante economia mundial, no ano passado o país bateu recordes no número de trabalhados enviados para o exterior e nas quantias remetidas por eles.
“Nós mal sentimos a crise financeira mundial”, disse Marianito D. Roque, ministro do Trabalho, que vem promovendo as virtudes dos trabalhadores filipinos em várias partes do mundo, de Alberta a Abu Dhabi.
Em cada canto da capital do país, com muitos “jeepneys” (micro-ônibus) alguém parece estar chegando ou partindo para um trabalho no exterior. No Centro de Treinamento Magsaysay, ao lado da baía de Manila, pessoas com diploma universitário esfregam replicas de navios, na esperança de conseguir empregos que paguem quatro vezes mais o salário local. Um parque do outro lado da rua funciona como um bazar de marinheiros, um lembrete de que as Filipinas fornecem pelo menos um quinto de todos os marujos do mundo.
Em seminários do governo, várias empregadas com destino a outro país aprendem a cumprimentar seus futuros patrões em árabe, italiano e cantonês. Algumas delas choram vendo um filme sobre uma babá que consegue um trabalho no exterior, mas perde o amor de seus filhos.
Médicos vão para o exterior para trabalharem como enfermeiros. Professoras vão trabalhar como empregadas domésticas. Futuros emigrantes soltam fagulhas no Centro Feminino Tesda, onde o governo oferece treinamento gratuito para soldadoras.
Uma delas, Desiree Reyes, 29 anos, passou três anos montando computadores em Taiwan, até que a recessão deixou a fábrica ociosa. De volta para casa, ela ouviu dizer que a Austrália precisava de soldadoras e pagava até US$ 2.500 por mês, cerca de dez vezes mais que o salário em Manila.
“Quero ir para o exterior de novo, e dizem que as soldadoras têm mais oportunidades”, ela disse.
Ali, mulheres aprendem a consertar carros, costurar saias e montar banquetes. Cartazes celebram ex-alunas que trabalham no exterior – “Marjury Briones agora trabalha no Pars Hotel, no Bahrein, como talentosa bartender”.
Com feições delicadas, Reyes parece mais uma vendedora de cosméticos do que uma aprendiza industrial. Mas ela gosta de olhar o metal fundido e ignora as marcas de queimadura em suas mãos. “Não acho que é trabalho de homem – é apenas trabalho”, ela disse. “A vida nas Filipinas é difícil”.
A crise financeira se segue a uma era de crescente mobilidade que espalhou trabalhadores migrantes por todo o mundo. Babás polonesas cuidam de crianças irlandesas e indianos constroem torres em Dubai. Dos 15 milhões de empregos criados nos Estados Unidos na década anterior à crise, quase 60% foram preenchidos por pessoas nascidas no exterior, de acordo com um relatório da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico.
É claro que a crise atingiu os migrantes, muitas vezes de forma desproporcional. Um relatório do Instituto de Políticas da Migração revelou que, nos últimos três anos, o número de desempregados cresceu em 4,7 pontos percentuais entre os americanos nativos, enquanto aumentou em 9,1 pontos percentuais entre imigrantes do México e da América Central.
A xenofobia cresceu em alguns lugares, às vezes chegando à violência. Em 2008, conflitos na África do Sul mataram dezenas de migrantes africanos, incluindo do Zimbábue. Na Itália, o papa condenou ataques contra trabalhadores rurais africanos este ano.
Porém, com algumas exceções, as dificuldades não fazem os migrantes voltarem para casa. Espanha, Japão e República Tcheca tentaram pagar para que os trabalhadores estrangeiros voltassem para casa, mas poucos aceitaram. Da mesma forma, o número de mexicanos que deixam os Estados Unidos não cresceu, disse Jeffrey S. Passel, do Centro Hispânico Pew.
Embora a economia e as fronteiras mais rígidas tenham reduzido novos fluxos de entrada de imigrantes, ele disse, a população total de mexicanos nos EUA continua a mesma.
Hania Zlotnik, diretora da Divisão de População da ONU, disse: “No mundo todo, a crise diminuiu o crescimento da migração, mas o número de migrantes ainda está aumentando”.
Há muitas razões para isso. Alguns países “receptores” escaparam da recessão, especialmente no Oriente Médio. Alguns países “emissores” foram fortemente atingidos, dando aos migrantes mais motivos para deixar o país ou permanecer no exterior. Mesmo em más fases econômicas, os migrantes normalmente fazem trabalhos que outros evitam, como colher safras ou limpar banheiros.
E muitos migram por razões não econômicas, para se unir a cônjuges ou pais. Isso ajuda a explicar por que a migração, uma vez estabelecida, é difícil de ser revertida.
No entanto, até acadêmicos que há muito tempo estudam essas dinâmicas esperavam que a crise econômica global levasse a uma contenção da migração. “É a resiliência dos fluxos internacionais de migração que mais impressiona”, escreveram dois estudiosos sobre migração, Stephen Castles, da Universidade de Oxford, e Mark J. Miller, da Universidade de Delaware, em artigo publicado em abril.
Para compreender a tenacidade dos migrantes, veja o caso de Fortz Portagana, 58 anos, filipino que se mudou para Omã, em 2006, para abrir um pequeno negócio de navegação. Quando a economia quebrou, ele cogitou voltar para casa, mas pensou: “O que posso fazer lá?”, disse.
Ele tinha gasto suas economias para emigrar, e voltar de mãos vazias para sua pequena fazendo significaria um vexame. Em vez disso, ele pediu dinheiro emprestado a parentes com empregos no Oriente Médio, cortou despesas e continuou enviando US$ 200 dólares para casa todo mês.
Quando os negócios melhoraram, ele contratou um de seus filhos e conseguiu um emprego para outro. Um ciclo que começou com um trabalhador migrante em Muscat terminou com três. “Este é um lugar melhor para eles ganharem a vida”, disse Portagana.
Migrantes do mundo em desenvolvimento enviaram US$ 326 bilhões para casa no ano passado, de acordo com o Banco Mundial. Esse valor foi 6% menor que no ano anterior, mas mais do que o previsto pelo banco, e US$ 80 bilhões mais que os imigrantes enviaram em 2006. Como os investimentos privados caíram a índices menores, a importância relativa do dinheiro dos migrantes cresceu.
Enquanto os envios para o México caíram bastante (16% nos últimos dois anos), as Filipinas oferecem um modelo contrastante de trabalho no exterior.
Os mexicanos estão fortemente ligados a um único país (Estados Unidos), e uma indústria (construção civil). Os filipinos trabalham em todo o mundo em várias ocupações diferentes. A migração mexicana não é controlada e é em grande parte ilegal. Os trabalhadores filipinos são promovidos pelo estado, e a maioria deles embarca com contratos de trabalho e visto.
Roque passou sua carreira vendendo a mão de obra filipina; quando a economia começou a derrapar, ele melhorou o marketing. Ele conseguiu contratos com quatro províncias canadenses, que levaram milhares de trabalhadores temporários, incluindo enfermeiros, babás e atendentes de cafés. Na Arábia Saudita, um boom na construção civil gerou mais empregos. Em 2008, a presidente Gloria Macapagal Arroyo prometeu ao Qatar mais vistos de trabalhadores.
Apesar da crise, o emprego aumentou um terço nos últimos dois anos, para 1,4 milhões de trabalhadores. As remessas enviadas por eles aumentaram 19%, para US$ 19,4 bilhões, de acordo com o Banco Mundial. “As pessoas estavam projetando um cenário apocalíptico”, disse Roque.
O Centro de Treinamento Magsaysay, em Manila, parece menos uma escola profissionalizante e mais um parque temático de trabalhos de migrantes, com várias réplicas de locais de trabalho.
Estudantes que pretendem se tornar marinheiros conduzem navios por tempestades num simulador. Aprendizes de padeiro praticam com massas folhadas cremosas. Uma parede de vidro dá uma visão de um luxuoso quarto de hotel, onde instrutores observam os aprendizes limparem a banheira de mármore e abastecer o frigobar.
Brynnerson Cepe, 25 anos, brilhava enquanto andava com seu uniforme dourado. Ele passou quatro anos para obter um diploma universitário em gestão hoteleira e de restaurante, e três anos como supervisor do Starbucks. Porém, na hierarquia filipina de status e salário, o movimento verdadeiramente ascendente chegará quando ele estiver fazendo camas em hotéis no exterior. “Você pode ganha no mínimo o dobro”, ele disse. “E conseguir outras oportunidades”.
O custo social da migração – trabalhadores que sofrem abusos, adultério, famílias abandonadas – é muito reconhecido por aqui, mesmo que a pobreza convença muitas pessoas a partirem.
No ano passado, o governo trouxe quatro aviões cheios de trabalhadores aflitos, vindos do Oriente Médio. Alguns tinham vivido por meses nas embaixadas filipinas, depois de fugir de seus patrões abusivos. Eles foram recebidos com muita festividade.
Um desfile de empregadas domésticas usava camisetas combinantes, doadas por um patrocinador. Arroyo, que chama os migrantes de “heróis”, chegou para cumprimentá-los. Um comediante filipino também participou, e câmeras de televisão capturaram a risada dos despossuídos.
Ivy Lumagbas, 31 anos, disse não saber se ri ou se chora. Ela tinha ido para Dubai porque seu marido estava desempregado e suas crianças, com fome. As condições eram tão ruins – uma refeição por dia, ela disse, e quatro horas de sono – que ela mal aguentou um mês. Mas ela já dizia que poderia voltar.
“Quando vejo quantos somos, fico sem esperança” de conseguir trabalhar no país, ela disse.
Então, começou a balançar a bandeira das Filipinas e cantar o hino nacional, que celebra a “terra escolhida” – que tantas pessoas têm de deixar.
Fonte: http://g1.globo.com
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