A partir de hoje, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) vai a campo realizar o mais completo mapeamento do país. O censo 2010 baterá à porta de 58 milhões de domicílios espalhados pelos 5.565 municípios para atualizar dados relativos a temas como renda, família, educação, trabalho, raça e religião. O presidente do IBGE, Eduardo Nunes, explica que a fotografia produzida nesse levantamento vai revelar mudanças significativas ocorridas na economia, além de consolidar diagnósticos sobre os novos hábitos de consumo dos brasileiros e sobre como as cidades estão se organizando.
Diante da riqueza de detalhes, Nunes acredita que os setores produtivos terão, a partir do refinamento e do cruzamento das respostas, melhores condições de definir o que fabricar, onde vender e a quem atender. "O censo é uma fonte de informação gratuita para quem quiser estudar melhor uma realidade e, se for o caso, abrir um negócio", resume, em entrevista ao Correio.
Pela primeira vez, a coleta será toda informatizada, o que permitirá maior agilidade no processamento dos questionários. Cerca de 225 mil pessoas, entre agentes censitários e recenseadores, estão envolvidos na operação, que tem um custo estimado em R$ 1,6 bilhão. Eduardo Nunes prevê que a pesquisa indicará avanços importantes em todas as áreas, sem ignorar velhos passivos que datam do século 18. Otimista, o presidente do IBGE avalia que as estatísticas podem apontar atalhos para que os obstáculos sejam superados de maneira mais rápida e justa. A seguir, os principais trechos da entrevista.
O censo 2010 será o mais tecnológico de todos?
Será o primeiro em que o IBGE vai trabalhar de uma forma totalmente eletrônica, desde a preparação do material até a apuração do resultado. As entrevistas não vão utilizar questionários em papel. Vamos deixar de imprimir mais de 100 milhões de formulários.
A informatização vai acelerar a consolidação final?
Você ganha muito mais em qualidade do que em agilidade, se comparado ao censo de 2000. Naquela época, utilizamos o questionário de papel, mas, assim que ele era concluído, seguia para centros de captura e a informação virava digital. Agora, não. A informação é digital desde o início.
Os novos dados populacionais podem interferir nos montantes de repasses feitos pela União?
O IBGE enviará os dados ao Tribunal de Contas da União (TCU), que os utilizará para calcular os recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) do ano seguinte. Em 2000, como o resultado foi divulgado só em 21 de dezembro, o IBGE enviou não o resultado do censo, mas a estimativa da população. Desta vez, vamos divulgar o resultado em 27 de novembro. Com o censo, há municípios que ganham e perdem.
Do ponto de vista das receitas, a contagem representará um divisor de águas para as cidades?
Até para definir como melhor alocar os recursos arrecadados. Não só o FPM, mas o dinheiro recebido para a educação, para a saúde, para o saneamento. Até porque o Brasil está mudando. As pesquisas mostram um processo de transformação importante em todas essas áreas. Temos informações sobre o tempo que a pessoa leva para chegar no local de trabalho e outras tantas. Dada essa nova realidade, como o sistema de transporte deve ser preparado para o futuro? Quais os meios? Como evitar que os problemas de hoje se multipliquem?
O questionário mudou muito?
Ele manteve grande parte das informações dos outros questionários, mas acrescentou itens que retratam a realidade atual. Uma informação importante é estudar o entorno do local onde se situa o domicílio: se há calçamento, se há iluminação pública, se está em área de lixão ou de risco.
A estrutura das famílias é bem diferente daquela vista antigamente. Como o IBGE vai medir isso?
Há uma mudança neste censo no processo de realização da entrevista. No censo de 2000, quando o IBGE fazia perguntas para uma pessoa da família, a chamava de chefe. A partir dele, se investigavam os laços de todos os outros. Mas a família mudou, há responsabilidades compartilhadas. Não há mais um único chefe. Ele agora pode ser mulher. Estamos identificando quantas pessoas naquele domicílio contribuem para o sustento comum, independentemente do sexo, da idade, da profissão ou da formação. Como pode haver mais de uma pessoa para a formação da renda familiar, são os membros da família que escolhem uma para servir de referência.
As relações homoafetivas serão pesquisadas?
Sim, desde que as pessoas se autodeclarem.
Qualquer pessoa poderá responder as perguntas?
Sim. Respeitando requisitos mínimos como discernimento e maturidade. As informações não prestadas poderão ser dadas em seguida, conforme um agendamento feito pelo recenseador, que voltará ao domicílio para complementar o questionário.
Dadas as mudanças estruturais ocorridas no Brasil desde 2000, as políticas públicas conduzidas hoje apresentam distorções?
Não diria isso em função dos dados do censo, mas em razão de questões que já são discutidas no Brasil ao longo da última década. O censo dará um retrato muito mais preciso sobre esses pontos, como é o caso da Previdência. Encontraremos uma quantidade não desprezível de brasileiros acima dos 100 anos. Isso tem vários impactos, mas o mais importante é positivo: se há pessoas vivendo tanto, é sinal de que o país tomou as decisões acertadas. Se a população vive mais, o país vai ter mais gente precisando de aposentadoria lá na frente, mas isso não pode ser um problema. Se o país resolveu o problema das crianças que morriam, não vai considerar os adultos idosos um fardo.
Qual a importância da atualização desses dados na formulação de políticas públicas?
O censo 2010 vai trazer coisas que são novas e, portanto, ajudará o país a olhar para trás, ver as ações tomadas e a sua eficácia.
O setor privado também vai se alimentar dessas informações para preparar produtos para esse "novo" Brasil?
Todos os setores vão se beneficiar. Vai ser possível saber quais os perfis da população no território em função do critério que se quer definir. Na questão do idoso, olhando para o sistema de transporte, não é possível ter o primeiro degrau de um ônibus como uma aventura a ser superada até pelo jovem, quanto mais para o idoso. Isso tem de ser adaptado. O censo é uma fonte de informação gratuita para quem quiser estudar melhor uma realidade e, se for o caso, abrir um negócio.
O Brasil já é mais parecido com uma economia desenvolvida?
Economicamente, o país é muito mais parecido com o Primeiro Mundo do que socialmente. Até pelo passado geracional. A taxa de analfabetismo ainda alta e a distribuição de renda são exemplos. Isso mostra que não basta progredir economicamente. É preciso acelerar o passo do ponto de vista social para reduzir a desigualdade. Um país com essa realidade, mesmo que acelere as políticas públicas, tem resultados demorados. Algumas vezes, eles são geracionais. É o caso da educação, que hoje é universalizada, mas os níveis de analfabetismo ainda são elevados.
O país ainda continua sendo uma Belíndia, mistura de Bélgica com a Índia?
Na verdade, cada país tem a sua própria realidade. Usar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é importante para um país olhar para dentro de si mesmo, mas não é um bom indicador para comparar países. Se o preço do petróleo disparar, o país exportador vai melhorar. Agora, como dispara a redução do analfabetismo? Os métodos não são iguais. O que temos no Brasil é uma realidade muito desigual, que não tem a ver com os anos 1980, 1990 e 2000. Vem desde o século 18. A gente não pode esquecer a história e achar que vamos resolver os problemas rapidamente.
O censo pode revelar outros passivos?
Ele vai quantificar o que já é conhecido e vem sendo revelado por pesquisas feitas pelo IBGE e por outros institutos. Um passivo a ser medido é a questão habitacional. Se o indivíduo reside em um lugar distante do trabalho, nem sempre é por opção. O outro, por não querer residir tão longe, faz a escolha pela moradia mais próxima do centro da cidade, mas em condições não adequadas, como é o caso de favelas. Você mede isso em locais onde não há calçamento, energia, onde há problemas. É no Norte onde há maior proporção de famílias morando em domicílio próprio, porém a densidade é elevada. Muitas vezes, uma família inteira mora em um cômodo só. Há deficit habitacional, mas também uma quantidade muito grande de domicílios vazios.
Como será a avaliação da renda?
Todas as formas de renda serão consideradas com detalhes diferentes do censo de 2000, destacando o que é fonte de renda do trabalho, de aplicação financeira, de aluguel, de participação de lucro, de aposentadoria e programas de transferência de renda. Poderemos quantificar o universo de pessoas atendidas pelos programas de renda.
Qual será o retrato das cidades?
Veremos cidades muito grandes, como São Paulo e Rio, reduzindo seu ritmo de crescimento e as cidades de porte médio ganhando peso.
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br
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