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domingo, 23 de maio de 2010

Cristovam Buarque: "A prioridade deveria ser revolucionar a educação"

O senador Cristovam Buarque é reconhecido em todo o Brasil como um dos maiores defensores da importância da educação para a melhoria do país. Nascido no Recife, foi o primeiro reitor eleito da Universidade de Brasília, em 1985, e 10 anos depois tomou posse como governador do Distrito Federal. Em 2003 foi nomeado ministro da Educação, cargo que ocupou durante um ano. Hoje, ele critica a política para o setor e também a falta de um debate mais amplo dos “presidenciáveis” a respeito do tema. Nesta entrevista à TRIBUNA DO NORTE, Cristovam Buarque fala ainda sobre cotas, desafios, vestibulares e expectativas:

Senador, como o senhor avalia a educação hoje no Brasil?

A educação melhora, mas lentamente e em um ritmo aquém do que o mundo moderno necessita. Mesmo melhorando, ficamos cada ano mais para trás em relação aos outros países e em relação às exigências atuais. Para a revolução educacional que proponho, seria necessário o governo federal investir R$ 7 bilhões adicionais a cada ano, o que corresponde a menos de 1% do PIB. Ao final de todo o processo, o Brasil gastaria cerca de R$ 3,5 mil por aluno, por ano, e um total inferior aos 10% do PIB como foi determinado por lei, mas vetado no governo Fernando Henrique, sobrando ainda até R$ 40 bilhões para o Ensino Superior.

E como está o Ensino Superior?

Embora seja verdade que tenhamos poucos alunos no Ensino Superior, nosso maior problema é que poucos alunos concorrem a uma vaga na universidade, porque apenas um terço dos jovens terminam o Ensino Médio e, desses, menos da metade recebeu ensino de qualidade com ambição suficiente para desejar entrar na universidade. De cada 6 milhões de alunos que entram no Ensino Fundamental, somente 2,6 milhões chegam ao Ensino Médio e apenas 1,8 milhão concluem o segundo grau, sendo 900 mil com qualidade para um bom curso universitário. Porém, destes 1,8 milhão de estudantes somente 1,2 milhão entram na universidade, sendo que 40% desistem antes da conclusão, por falta de recursos para pagar a faculdade e, sobretudo, por falta de formação para acompanhar seus cursos.

Qual a grande carência ainda existente nesse nível de ensino?

A universidade brasileira deve fazer sua reforma com os olhos na possibilidade e no desafio de ser um centro privilegiado para entender e mudar o mundo em todas as áreas do conhecimento, especialmente naquelas em que teremos vantagens comparativas favoráveis em relação ao resto do planeta. Precisamos de um compromisso com a qualidade, sem o qual não há contribuição à humanidade. Temos de definir vantagens atuais e aquelas nas quais queremos investir e procurar uma forma universitária que promova a capacidade para criar o ineditismo na produção intelectual como forma de elevar o patrimônio cultural da humanidade.

Ensino profissionalizante vem recebendo a atenção necessária?

A atenção deveria se voltar para a ampliação e a universalização do Ensino Técnico, de forma que nenhum jovem disposto a estudar fique impedido de obter formação técnica. Além disso, precisamos firmar um compromisso para ampliar os cursos técnicos de curto prazo, para que exista pelo menos uma escola técnica em cada cidade com mais de 70 mil habitantes. É preciso atender e formar todos os interessados em cursos técnicos de curta duração.

E quem sai do Ensino Superior recebe a formação necessária às exigências do mercado?

Precisamos avançar nesse sentido. Hoje, o mundo do aprendizado não consiste mais no professor transmitir conhecimento, consiste no professor ensinar o aluno a “surfar” nas ondas do conhecimento que está nos bancos de dados, que acessamos por meio do computador e da Internet. O papel do professor é ensinar o aluno a utilizar a biblioteca, a Internet e a aula também, preparando-se para circular nos avanços da formação e da informação. O conhecimento hoje está no ar. Não é mais apenas um prédio, como víamos antigamente. O prédio é um ponto, assim como o computador e o escritório. A universidade hoje é o Universo, é o ar. Está nas antenas, nas estações que transmitem informações. Está nas plataformas dos bancos de dados.

Falta de pessoal, ou de estrutura. Qual o maior problema de nossas instituições superiores?

Falta estrutura e pessoal para a universidade, mas mesmo que se invista mais, não será suficiente para melhorá-la, enquanto jogarmos fora o potencial de dois terços de nossos jovens que não terminam o Ensino Médio. O Brasil tem grandes jogadores de futebol porque todos meninos têm acesso à bola, jogam em campos perto de casa e o talento vai sendo revelado entre os melhores e mais persistentes. O mesmo não acontece com a educação, porque poucos têm acesso a livros, computadores, boas escolas. O Brasil nunca teve um Prêmio Nobel de literatura, muito provavelmente porque ele fazia parte das dezenas de milhões de adultos que morreram nos últimos 105 anos desde a Proclamação da República, sem a oportunidade de aprender a ler e a gostar de ler. O mesmo vale para cientistas potenciais que não aprenderam matemática na idade apropriada.

E os mecanismos de acesso dos jovens carentes funcionam?

No Brasil, apenas 1,8 milhão de jovens terminam o Ensino Médio. Isto quer dizer que apenas uma pequena minoria de jovens adquire o direito de pleitear uma vaga na universidade. Com isso, ela abre mão de possíveis grandes profissionais, quem sabe até de gênios, deixados para trás. A qualidade da universidade está, portanto, sacrificada pela impossibilidade de escolher seus alunos entre aqueles com potencial. Por essa razão, a primeira reforma em um sistema de ingresso para melhorar a qualidade da universidade é garantir que todos os jovens brasileiros, sem exceção, tenham condições de concluir o Ensino Médio em escolas com a máxima qualidade. Poucas coisas revelam mais o conservadorismo da universidade, sua dificuldade em avançar, do que a manutenção do vestibular, inventado há mais de cinquenta anos, como forma de ingresso de alunos na universidade. Uma forma atrasada e imperfeita, certamente melhor do que o critério imperial de indicação ou apadrinhamento fisiológico, mas muito pouco melhor do que o puro e simples sorteio de vagas. A reforma universitária deve mudar a forma de selecionar alunos. A melhor experiência foi iniciada pela UnB em 1996, com o Programa de Avaliação Seriada, que escolhe alunos com base em provas feitas ao longo do Ensino Médio.

Muitas políticas não terminam sendo paliativos, uma vez que o ideal seria que alunos carentes tivessem acesso a escolas públicas de qualidade, desde o ensino básico, para terem chances de disputar vagas nas instituições federais em iguais condições com os alunos das escolas privadas?

Exatamente. A nossa luta agora, neste país, deve ser para que a escola seja igual para todos, e de excelente qualidade. Esse é o objetivo do educacionismo. É preciso que haja igualdade no acesso ao conhecimento. Um país decente não pode ter escolas diferentes para uns e para outros, pode ter, sim, pessoas diferentes, umas com mais talento, mais vocação, persistência do que outras, mas jamais desigualdade no acesso à escola.

E quanto às cotas raciais e econômicas, qual sua opinião?

As cotas para a entrada de negros nas universidades não pretendem reduzir as desigualdades sociais, mas sim corrigir um absurdo: depois de 120 anos da abolição da escravatura, a cara da elite brasileira é branca, embora o país seja de brancos e negros. Hoje, o debate se divide: parte é contra usá-las como instrumento para formar uma elite universitária negra; outra parte comemora a existência das cotas como se fosse a solução para todos os problemas que pesam sobre os negros brasileiros. Há uma razão que unifica tanto os que defendem quanto os que criticam as cotas. Os que são contra nunca se sensibilizaram com a exclusão de negros em nossa elite, e temem que vagas da universidade sejam ocupadas por jovens negros com alguns décimos a menos nas notas do vestibular. Os que são a favor de cotas lutam pela reserva de vagas, mas não para que todos terminem o Ensino Médio em escolas de qualidade. Reservam lugares na universidade, mas mantêm a falta de concorrência provocada pelas multidões excluídas pelo analfabetismo e pela evasão escolar. Lutamos para manter privilégios ou incorporar os privilegiados, não para eliminar os privilégios. A crítica ética às cotas está na defesa da igualdade educacional: em vez de impedi-las, torná-las desnecessárias. Em um país com ânsia de justiça, cotas são necessárias como paliativos, pingando negros na universidade. Não devemos recusar esse instrumento de discriminação afirmativa, nem comemorar a necessidade deles.

O Enem é uma boa alternativa aos processos seletivos? Ou cada Estado deve respeitar suas características e realizar vestibulares diferenciados?

Defendo que o Ministério da Educação faça uma prova ao longo do Ensino Médio, assim como existe no Distrito Federal para se entrar na Universidade de Brasília. Aqui, o estudante faz uma prova ao final de cada ano do Ensino Médio (1º ano tem peso 1; 2º ano peso 2; e 3º ano peso 3). Isso faz com que o aluno estude os três anos e se preocupe com a universidade mais cedo.

Que critérios o aumento de vagas nas universidades federais deveria respeitar?

O ideal seria fazer a expansão com uma programação de vagas disponíveis, professores necessários, instalações que terão de ser construídas. Mas se não dá para fazer da forma ideal, não podemos criticar. Toda expansão é boa. Mas reafirmo que os problemas fundamentais não estão sendo atacados: educação de base e reforma universitária. Sem boa educação de base nunca vamos ter boas universidades.

E qual deveria ser a prioridade do próximo presidente, seja quem for, em relação à educação?

A prioridade deveria ser revolucionar a educação. Como eu disse, para que ela aconteça, precisamos investir menos de 1% do nosso PIB. Mas me parece que essa eleição plebiscitária, que Lula quer em 2010, será uma eleição sem espaço para a concretização de sonhos. Precisamos fazer com que haja candidaturas que tragam sonhos, não apenas exposição de “power point” indicando as obras que os candidatos vão fazer. Temo que o debate que vamos ter, ao que tudo indica, entre a ministra Dilma e o governador Serra, seja um debate absolutamente sem sonhos, absolutamente técnico. Nenhum dos dois significa uma mudança de rumo ou um projeto diferente para o Brasil. Nessa disputa plebiscitária entre duas forças muito paralelas, caracterizada por um conjunto de ideias que se formaram a partir dos anos 90, corremos o risco de não ouvirmos as palavras “reforma política”; ou as palavras “manutenção da política econômica como inflexão da política de produção”. E, finalmente, corremos mais uma vez o risco de não ouvirmos os candidatos falarem sobre a revolução na educação.


Fonte: Tribuna do Norte

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