As novas diretrizes nacionais para o Ensino Fundamental, com aprovação prevista para maio, devem recomendar a abolição da reprovação até o terceiro ano. O Ministério da Educação (MEC) apresentará a proposta em audiências públicas que ocorrem neste mês e em abril. A intenção é transformar os três primeiros anos em uma espécie de ciclo de alfabetização, durante o qual o aluno não deve ser retido.
A ideia ganhou força com a divulgação dos dados do Censo Escolar de 2008, que revelou a reprovação de 74 mil crianças de seis anos no primeiro ano do novo Ensino Fundamental de nove anos. O dado alarmou o ministério. A interpretação é que a reprovação contraria o espírito da reformulação do primário. O novo Fundamental, criado em 2005, antecipou o ingresso para seis anos com a intenção de dar mais tempo para o aluno se alfabetizar.
O plano de não reprovar está em consonância com o parecer já aprovado pelo Conselho Nacional de Educação, e o Ministério da Educação dá como certo que a orientação será incluída nas diretrizes do Fundamental que estão em preparo. A medida funcionará como uma recomendação para todas as redes de ensino, mas não terá força de lei. Se estivesse valendo em 2008, poderia ter evitado 521 mil reprovações apenas naquele ano. Ao todo, beneficiaria cerca de 6 milhões de crianças das duas séries iniciais.
A adoção da progressão automática gera preocupação entre especialistas. O grande risco é que o aluno promovido chegue ao final do ciclo sem ter aprendido. Para a professora de psicologia da educação da UFRGS Tania Marques, a estratégia traz vantagens e riscos. Ela afirma que a ideia tem o mérito de respeitar o ritmo de cada aluno e de oferecer tempo para que a aprendizagem ocorra. Mas considera perigoso adotá-la sem um acompanhamento adequado e sem que as crianças sejam cobradas:
“Se isso não é muito bem administrado, o professor pode deixar de exigir do aluno tanto quanto deveria. Pode pensar que com o tempo as coisas vão acontecer, mas só a passagem do tempo não garante a aprendizagem”.
Escolas de Porto Alegre (RS) adotam regime há mais 10 anos
A proposta do ministério já é uma realidade nas 55 escolas de Ensino Fundamental da Capital gaúcha há mais de uma década. A rede municipal adotou um sistema de ciclos com nove anos de duração a partir de 1996. O primeiro ciclo, com ingresso aos seis anos e um triênio de duração, é dedicado a alfabetizar. No início, não havia reprovação até o final do Ensino Fundamental. No momento, a rede está terminando de implantar a retenção, quando necessária, ao final de cada um dos ciclos de três anos. Segundo Adriana Santos, coordenadora de Ensino Fundamental da Secretaria Municipal de Educação, o pré-requisito para o sistema funcionar é garantir o aprendizado da criança.
“O aluno que tenha alguma dificuldade no aprendizado é promovido, mas com um plano de recuperação das lacunas no ano seguinte”, explica.
No Rio Grande do Sul, vigora a regra de não haver reprovação no primeiro ano. Ervino Deon, secretário estadual da Educação, mostra-se favorável ao plano do ministério. “Não é reprovando que o aluno vai aprender mais”, avalia.
Não há unanimidade na secretaria. Sônia Bier, diretora-adjunta do departamento pedagógico, não concorda com a aprovação automática também do segundo para o terceiro ano: “É válido nos dois primeiros anos, mas além disso é polêmico”.
Especialistas divergem
Para a psicopedagoga Ana Carolina Cubas a decisão precisa ser avaliada individualmente. Optar por não reprovar nenhum aluno é cair no erro de padronização.
Ela argumenta que se a criança for imatura, ela não ficará traumatizada porque nem vai assimilar que isso aconteceu. Para outras, a reprovação pode ser traumática e causar frustração, sensação de incapacidade e fazer com que a criança ache que nunca mais será boa nos estudos.
Para a psicopedagoga Márcia Fiates, a alfabetização não termina no primeiro ano e a criança chegará à maturidade cognitiva no terceiro ano do ensino fundamental: “Repetir poderá trazer mais sofrimento do que ganhos pedagógicos”.
Reprovação é reprovada
A proposta
O Ministério da Educação (MEC) planeja recomendar o fim da reprovação no início da vida escolar:
- O Ministério da Educação entende que os primeiros anos do novo Ensino Fundamental, com nove anos de duração, devem funcionar como uma espécie de ciclo de alfabetização. A ideia é recomendar que, dentro deles, não ocorra reprovação. O aluno só poderia ser reprovado no final do terceiro ano.
A implantação
- A orientação deverá ser incluída nas novas diretrizes nacionais para o Ensino Médio, que devem vigorar a partir de maio. A não-retenção, que já foi recomendada pelo Conselho Nacional de Educação, será apresentada pelo ministério nas três audiências públicas que antecedem a aprovação das diretrizes. Elas ocorrem em março e abril.
A abrangência
- As diretrizes não têm força de lei. Funcionam como uma orientação do ministério, mas as redes e as escolas privadas podem não aceitá-las.
Os números
A reprovação no início da vida escolar e o impacto da nova estratégia do MEC:
A reprovação no 1º ano
74.471 crianças foram reprovadas no Brasil em 2008 no primeiro ano do Ensino Médio de nove anos, conforme o Censo Escolar 997 crianças foram reprovadas no Rio Grande do sul
Os beneficiados
6.016.170 foi o número de alunos matriculados no primeiro e no segundo ano do Ensino Fundamental no Brasil de acordo com o Censo Escolar mais recente, de 2008. Esse seria o universo que estaria protegido contra a reprovação
291.920 foi o número de gaúchos nos dois primeiros anos em 2008 (156.876 no primeiro ano e 135.044 no segundo ano)
No 2º ano/1ºsérie
447.234 crianças foram reprovadas em 2008 no primeiro ano do Fundamental de nove anos ou na primeira série do Fundamental de oito anos
22.769 foram as reprovações no Rio Grande do Sul
Os percentuais
Taxas de aprovação, reprovação e abandono no primeiro ano do Fundamental em 2008, segundo o Ministério da Educação:
APROVAÇÃO 94%
REPROVAÇÃO 3,5%
ABANDONO 2,5%
Fonte: Grupo RBS
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