O Brasil está investindo, neste ano, o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D).
O Brasil está investindo, neste ano, o equivalente a 1,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em pesquisa e desenvolvimento (P&D). É o maior patamar de investimento dos últimos 11 anos - no ano 2000, o país aplicou 1,02% do PIB e, no ano passado, 1,3% do PIB. Do total deste ano, 0,65% está sendo desembolsado por empresas privadas e estatais, percentual praticamente idêntico ao do setor público.
O ministro da Ciência e Tecnologia, Sérgio Rezende, diz que, nos últimos anos, a estabilização da economia e a abertura comercial do país forçaram as empresas a investir mais em P&D, mas ele acha que elas ainda investem muito pouco. "Falta cultura", afirma Rezende nesta entrevista. Ele informa que, dos 87 mil doutores existentes no Brasil, apenas dois mil trabalham em empresas. O ministro acredita, no entanto, que há um processo de mudança em curso.
Físico de materiais com doutorado pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Rezende afiança que o Brasil está começando a ser percebido lá fora como um ator emergente não só na economia, mas também na área de ciência e tecnologia. Há duas semanas, ele foi à Costa Oeste americana, em viagem organizada pelo diplomata Rodrigo Baena, responsável na Secretaria de Comunicação do governo pela divulgação do Brasil no exterior.
Já como resultado da viagem, a Intel manifestou interesse em entender melhor as condições para implantar um centro de pesquisa no Brasil. A IBM decidirá, entre Brasil, Austrália e Emirados Árabes, onde instalar o seu. E a General Eletric (GE), recordado o ministro, optou recentemente pelo Brasil.
De amanhã até sexta-feira, o ministro comandará, em Brasília, a 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (CNCTI), que, até sexta-feira, já tinha quase 5 mil inscritos.
Valor: Que avanços o senhor julga que ocorreram na área de C&T nos últimos anos?
Sérgio Rezende: Houve quatro avanços, que estão relacionados às quatro prioridades do Plano de Ação em Ciência, Tecnologia e Inovação, lançado em 2007. O primeiro foi a consolidação de um sistema nacional de C&T. O sistema já existia com esse nome há muito tempo, mas somente agora ele está funcionando efetivamente.
Valor: No que consiste esse sistema?
Rezende: Consiste em decidir sobre a apoio a programas não de cima para baixo, mas de maneira articulada com sociedades científicas e entidades empresariais e com os Estados e até com alguns municípios. Hoje, existe um conselho de secretarias estaduais de C&T. Vários dos programas que temos atualmente foram articulados com os Estados, que têm que entrar com contrapartida, algo que foi definido pelo próprio conselho.
Valor: Como funciona a contrapartida?
Rezende: No caso de São Paulo, é um para um - para cada real colocado pelo governo federal num programa de pesquisa, o Estado coloca outro. Nos casos de Rio de Janeiro e Minas Gerais, a gente entra com 1,5 e eles, com 1. Nos Estados mais pobres, a proporção é de 5 para 1. Há um programa, destinado a expandir e consolidar o sistema de C&T, que é o de Núcleos de Excelência (Pronex). O edital é feito pelas fundações estaduais e uma boa parte dos recursos vem do governo federal. O resultado efetivo desse programa, que foi criado em 1997, mas sofreu esvaziamento e depois foi revigorado pelo governo Lula, é que os Estados passaram a colocar recursos. Os governadores passaram a ver que, se colocassem mais recursos nesses programas, mais eles receberiam do governo federal.
Valor: Há outros programas em parceria com os Estados?
Rezende: Há, por exemplo, o Programa de Apoio à Pesquisa em Pequena Empresa (Pappe). A Finep (Financiadora de Estudos e Projetos) entra com os recursos da subvenção [a fundo perdido], mas a empresa tem que disputar isso por meio de edital. O governo estadual também coloca recursos, mas não pode escolher diretamente os projetos. A Lei de Inovação exige que haja disputa, via edital de concorrência, pelos recursos que vêm de subvenção.
Valor: Qual foi o segundo avanço?
Rezende: Foi o grande aumento nos recursos financeiros. No ano 2000, os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que inclui dinheiro para pesquisa e subvenções dadas a empresas, limitaram-se a R$ 220 milhões, em valores de hoje. Em 2010, vão a R$ 3,1 bilhões. Considerando todos os recursos federais, o que inclui as verbas dos institutos do MCT, os programas nuclear e espacial, o CNPq e outras ações do ministério, o orçamento saltou, no mesmo período, de R$ 1,070 bilhão para R$ 5,376 bilhões.
Valor: Na semana passada, o governo anunciou que cortará R$ 10 bilhões do orçamento. A sua área sofrerá cortes?
Rezende: Não houve nem haverá contingenciamento no MCT. Um artigo que está na LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) há alguns anos proíbe o contingenciamento de recursos dos fundos setoriais.
Valor: Mas eles foram contingenciados nos últimos anos.
Rezende: Em 2007, o presidente Lula decidiu que o contingenciamento dos fundos seria decrescente até chegar a zero em 2010. É isso o que está ocorrendo.
Valor: Qual foi o terceiro avanço?
Rezende: Foi a percepção de muitos empresários e empreendedores da necessidade de investir em C&T e inovação, isso em paralelo à criação dos novos instrumentos de apoio. O setor privado está investindo 0,65% do PIB em P&D. Em 2000, investia 0,47% do PIB.
Valor: Os críticos dizem que é muito pouco quando se comparam aos investimentos feitos por países que concorrem com o Brasil?
Rezende: Isso é verdade. O interesse das empresas cresceu, mas ainda é muito pequeno. Mas antes não havia nada. Temos três modalidades de subvenção econômica: o Pappe; o edital nacional, criado em 2006; e o Prime (Primeira Empresa Inovadora), para novas empresas, lançado no ano passado. Nos três programas, foram beneficiadas até agora cerca de 2.500 empresas. Em 2006, do primeiro programa [de subvenção nacional], foram beneficiadas aproximadamente 200 empresas.
Valor: Quanto foi liberado?
Rezende: O total chegou a cerca de R$ 2 bilhões. As liberações são crescentes, o que demonstra o interesse das empresas. O edital nacional deste ano, que será anunciado durante a conferência pela Finep, vai dispor R$ 500 milhões.
Valor: Por que o interesse empresarial ainda é aquém das necessidade? Faltam recursos?
Rezende: Falta cultura. Sempre faltam recursos, claro, mas a nossa experiência, no caso das subvenções, mostra que a demanda é muito grande, mas a qualidade dos projetos, que são julgados por comitês com representantes das empresas, do meio acadêmico e do ministério, ainda deixa a desejar.
Valor: Por quê?
Rezende: Porque as empresas não têm pesquisadores de uma maneira geral.
Valor: E por que elas não contratam pesquisadores?
Rezende: Porque é uma questão cultural. Até a década de 80, a preocupação das empresas era pagar os salários no fim do mês, correr contra a inflação. Na década de 90, aconteceram duas coisas marcantes: uma foi a estabilização da economia; outra foi a abertura comercial. Com a abertura, aquelas empresas que não tinham gestão foram engolidas, muitas desapareceram, outras foram à falência. Mas já havia um movimento, que começou no governo e foi tendo a adesão das empresas, para desenvolver programas de gestão da qualidade. As empresas passaram a ver que tinham que ter certos padrões para ter boa gestão. Hoje, muitas das pessoas que foram líderes daquele processo, como Jorge Gerdau, são os que lideram agora o movimento para a inovação. Uma vez que a empresa tem gestão da qualidade, ela possui um produto de mercado, vai bem e sobrevive. Mas, para fazer grandes avanços, ela tem que ter coisa nova.
Valor: Faltam mestres e doutores na empresa brasileira?
Rezende: Na Coreia do Sul, 80% dos pesquisadores estão nas empresas. Nos Estados Unidos, mais de 60% estão nas companhias, embora lá haja um grande contingente no governo por causa dos laboratórios e dos investimentos em defesa. No Brasil, a maioria está no governo [principalmente, nas universidades]. Dos 87.063 doutores que temos no Brasil [dados de 2008), apenas 2 mil, o equivalente a 2,3% do total, estão trabalhando em empresas. Mas essa situação está começando a mudar.
Valor: Como?
Rezende: Há dez anos, havia somente 200 doutores nas empresas. A mudança foi grande e tenho certeza de que será maior ainda na próxima década. Além disso, o Brasil está formando mais de 10 mil doutores por ano [em 2009, foram 11,4 mil] e quase 39 mil mestres [38,8 mil no ano passado]. No caso dos doutores, formamos mais do que França, Itália, Coreia do Sul, Espanha e Finlândia e menos do que Índia, Rússia, China, Japão, Alemanha e Estados Unidos.
Valor: O que está faltando para que as empresas contratem pesquisadores, mestres e doutores?
Rezende: Está faltando o sistema empresarial ver que isso faz diferença. Uma empresa que possui doutores tem mais competitividade e maior lucratividade. Não adianta o governo falar. O governo pode criar mecanismos para estimular. Criamos, por exemplo, a Lei da Inovação, que procura aproximar os pesquisadores das empresas. Essa lei criou a subvenção tanto para financiar projetos quanto para contratar mestres e doutores, mas a demanda das empresas para esse tipo de contratação ainda é muito pequena. Há uma interpretação no mercado de que, de um modo geral, o doutor aprofundou os estudos e é muito acadêmico. As empresas acabam preferindo o engenheiro.
Valor: O doutor formado no Brasil não é mesmo muito acadêmico e distante da realidade das empresas?
Rezende: A maioria certamente é, mas isso é um processo. Há muitas universidades formando engenheiros com doutorado. O engenheiro sai do doutorado com uma base teórica, mas muitas vezes experimental também, muito grande. Mas quando chega à empresa, ele precisa se envolver com os problemas e usar toda aquela formação para tentar resolver as questões da companhia.
Valor: O problema está na forma como a universidade brasileira prepara seus doutores?
Rezende: Nós temos, por causa da demanda, um público na área de ciências humanas - ciências sociais, direito, administração etc. - proporcionalmente maior que o de outros países. Na Coreia, na China e na Índia, há uma procura muito maior pelas engenharias.
Valor: O senhor acha que é um problema o país formar mais doutores nas ciências humanas?
Rezende: Não. Isso reflete um estágio da nossa cultura e também das oportunidades existentes. O Brasil forma uma quantidade enorme de advogados, que têm muitas oportunidades no mercado de trabalho. Um exemplo: há inúmeros concursos na área pública para pessoas formadas em direito. O mercado tem um papel importante. Entre 1982 e 2002, o número de estudantes formados em engenharia diminuiu de 26 mil para 15 mil. Isso ocorreu por causa dos anos de estagnação da economia. Os jovens olham para as carreiras que oferecem oportunidades. Hoje, com a retomada do investimento e o crescimento da economia, está faltando engenheiro, e não se forma um da noite para o dia. A Vale e a Petrobras estão procurando profissionais no exterior.
Valor: O que o governo está fazendo para valorizar as ciências exatas?
Rezende: Estamos fazendo, com o Ministério da Educação, algo que terá resultado em dez anos: a Olimpíada Brasileira de Matemática na escola pública. Começou em 2005, por ordem do presidente Lula. O que ocorria até então é que os estudantes das escolas públicas não concorriam na olimpíada nacional de matemática por medo, então, o governo criou uma só para a escola pública. Em 2005, tivemos 10,5 milhões de concorrentes. Em 2009, foram 19,1 milhões, 10% da população brasileira. As crianças não são obrigadas a concorrer, como no exame do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio).
Valor: O que os estudantes ganham ao participar da olimpíada?
Rezende: Os 300 melhores ganham medalha de ouro, os 600 seguintes, medalha de prata, outros 2.100 seguintes, medalha de bronze, e todos ganham uma bolsa de R$ 150 para, no ano seguinte, fazer curso de matemática, fora da sala de aula. Em 2009, estudantes de 43 mil escolas públicas em 5.650 cidades participaram da olimpíada, o que equivale a 99,1% dos municípios. Isso vai estimular muitos estudantes a optarem por engenharia e áreas afins mais adiante.
Valor: É muito comum comparar-se o fracasso brasileiro nessa área ao sucesso da Coreia do Sul.
Rezende: É muito diferente fazer uma política industrial e tecnológica para um país de 8,5 milhões de Km2 e 190 milhões de pessoas, do que fazer para a Coreia, que hoje é um país democrático, mas que quando deu o grande salto não era. Os "chaebols", os grandes grupos coreanos, eram empresas da área de agricultura, de exploração de recursos naturais, que o governo chamou e disse o que é que eles iam fazer. A política industrial coreana, portanto, foi forçada.
Valor: Qual foi o quarto avanço?
Rezende: Foi o fato de termos priorizado também C&T para o desenvolvimento social, num sentido bem abrangente - inclusão digital, melhoria do ensino nas escolas públicas etc. Há coisas que o MCT não fazia antes. Inclusão digital, por exemplo, não era assunto desse ministério.
Valor: O Brasil é muto atrasado e desigual no acesso à internet rápida. Por que é assim?
Rezende: Eu não diria que está tão atrasado, afinal, existem 60 milhões de usuários de internet no Brasil. Em média, o brasileiro fica na internet três vezes mais tempo do que a média dos outros países.
Valor: O que explica isso não é a internet lenta?
Rezende: Certamente, isso contribui, mas não só. Não há mais acesso porque o custo é alto. Outra razão é que não existe internet ainda nos locais coletivos - principalmente, nas escolas públicas e nos centros comunitários, onde a população mais pobre poderia ter acesso. As escolas estão tendo acesso gradualmente, até o fim deste ano deve chegar a 56 mil. Agora, surge o plano nacional de banda larga porque, há quatro anos, não se falava disso; falava-se apenas de internet. Na medida em que a internet vai ficando sofisticada, a informação passa a ser mais completa e isso exige mais velocidade. O governo decidiu usar os cabos de fibra óptica que pertenciam a empresas estatais de energia e recriar a Telebrás para gerir isso.
Valor: Como ela vai operar?
Rezende: Não está definido ainda. Há visões diferentes dentro do governo.
Valor: Qual é a sua?
Rezende: É que a Telebrás deveria chegar aos municípios e, lá, oferecer o serviço a um provedor de internet a um determinado custo, menor do que aquele que as grandes empresas comerciais cobram hoje. Só no Rio Grande do Sul, há 600 licenças concedidas pela Anatel a pequenos provedores para exploração de internet. Falta chegar a infraestrutura.
Valor: É possível chegar a um custo mais baixo ou haverá subsídio?
Rezende: Por um bom tempo, quem vai bancar isso é o governo. A Telebrás vai levar o serviço aos locais onde não existe banda larga e também onde os preços estão muito altos. No fundo, o que o governo quer é contribuir para a regulação desse mercado, forçando os preços para baixo.
Valor: O setor de telecomunicação era muito ineficiente antes da privatização. O senhor não teme que a recriação de uma estatal crie novas ineficiências?
Rezende: O plano da Telebrás é ser uma empresa enxuta, que vai contratar serviços de outras empresas, como já fazem as empresas privadas. Prefiro correr esse risco a continuar como está hoje. Estão aí os preços altos cobrados pelas empresas privadas e a falta de cobertura. Com a Telebrás, as empresas serão obrigadas a cortar custos e a reduzir preços.
Fonte: Valor Econômico
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