no nível superior da pirâmide social, está produzindo um novo milionário
a cada dez minutos.
A fundadora da MMartan, Marilena Rossini, notou que havia espaço no país para oferecer produtos mais refinados de cama, mesa e banho. Em 1985, abriu um escritório com as filhas Mariângela e Marilise, sócias da empresa. Elas recebiam pedidos por telefone e despachavam os artigos por correio. A expansão do negócio veio com a abertura de franquias, a partir de 2003. Atualmente, são abertas três novas lojas a cada mês, e a previsão de faturamento para 2010 é da ordem de 235 milhões de reais. No ano passado, a MMartan vendeu 65% de suas ações à Springs Global, líder mundial no ramo.
Na década de 80, a bioquímica Lisabeth Braun percebeu que os dermatologistas receitavam muitas fórmulas que não existiam prontas no mercado brasileiro. Em 1992, criou uma pequena fábrica de dermocosméticos. Ela buscou emular gigantes mundiais do setor. A demanda por esse tipo de produto aumentou tanto que, em 2006, a filha da farmacêutica, a economista Ilana Braun Srour, de 31 anos, decidiu entrar na empresa.
O engenheiro Rogério Thomé, de 40 anos, deixou um emprego de executivo para fundar a sua própria empresa de investimentos e assessoria financeira. Em menos de um ano, reuniu 300 clientes. Mas seu pulo do gato foi ter descoberto uma maneira de atrair e cativar novos fregueses: oferecer cursos sobre como investir na bolsa. Hoje, tem 3 000 clientes.
Filha de cafeicultores, a farmacêutica mineira Vanessa Araújo, de 32 anos, aliou a tradição familiar ao seu desejo profissional de criar produtos de beleza. Desenvolveu então uma linha de cosméticos cuja fórmula leva extratos de grãos de café (mas verdes, não torrados). As sementes possuem propriedades antioxidantes. Vanessa estudou o assunto a fundo e fez quinze cursos de especialização. Agora, três anos depois, colhe o sucesso de sua marca, a Kapeh, que significa café na antiga língua dos maias.
Marcio Pissardo, 50 anos, trabalha com informática desde os 16. Não perde nenhum lançamento de Steve Jobs. Na apresentação do iPhone, em 2008, decidiu criar aplicativos para smartphones – um segmento até então inexistente no Brasil. A Livetouch começou com sorte. Marcio telefonou para a BM&FBovespa e ganhou um cliente de peso logo no primeiro ano. Seu programa mais popular é o NutraBem, de informações nutricionais, com 9 000 downloads. Sua empresa, que começou com vendas de 200 000 reais, já fatura três vezes mais.
Alan James (na foto, de camisa clara), de 33 anos, ganhava a vida fazendo faixas para anúncios. Viu que levava jeito para bolar ações publicitárias inusitadas. Em 2003, entrou num programa de empreendedorismo e conheceu os seus três atuais sócios. Fundaram a Biruta Mídias Mirabolantes, agência que hoje já tem três escritórios no país.
Em meados dos anos 90, o goiano Clóvis de Almeida, 56 anos, abriu uma sorveteria com sabores de frutas típicas do cerrado. Com a ajuda do filho Ismael, a Frutos do Cerrado vende 70 000 picolés ao dia, em sete estados. A partir de agosto, a marca chegará aos Estados Unidos. O próximo passo é entrar na Espanha e no Japão. "Meu objetivo é o mundo", resume Ismael.
Edgar Diniz, de 41 anos, decidiu largar um alto cargo no mercado financeiro para fundar a sua empresa: uma consultoria na área de esportes, sua paixão. Nos primeiros anos, o negócio não decolou. Edgar e seus sócios decidiram então investir em uma lacuna que encontraram no mercado. "Não havia no Brasil nenhum canal da televisão aberta que fosse 100% ligado ao esporte", diz ele. Foi assim que nasceu o Esporte Interativo. Funcionou.
Em 1992, o paraibano Arione Diniz, 49 anos, inaugurou em São Luís, no Maranhão, a primeira loja das Óticas Diniz. Sua rede é hoje a maior do país, com 450 filiais. Seu segredo? Dar tratamento de classe A aos consumidores de classe C. Seu faturamento atingiu 285 milhões de reais em 2009.
O gaúcho Derci Tramontini abriu uma oficina que construía carretas agrícolas. Passou quinze anos revendendo tratores e motores. Há dois, com a ajuda dos filhos, Leonardo e Júlio, começou a produzir seus próprios veículos. Investiu em modelos menores, com valores semelhantes aos de um carro popular, destinados a pequenos agricultores. A Tramontini Implementos Agrícolas deverá faturar 45 milhões de reais em 2010, seis vezes mais do que há quatro anos.
A paixão do catarinense Márcio Schaefer sempre foi desenhar barcos. "Queria ser o maior especialista em construção de iates no Brasil", diz. Preparou-se por uma década, antes de abrir o seu estaleiro, nos anos 90. Em 2001, começou a construir lanchas maiores e a investir em tecnologia nacional. A Schaefer está entre as maiores fabricantes de iates do país.
Passado o breve soluço da crise internacional, o Brasil voltou a avançar com força renovada. O país iniciou 2010 em ritmo chinês. Diversos setores da economia crescem numa velocidade superior a 10% ao ano. A produção das indústrias, por exemplo, teve uma alta de 20% no primeiro trimestre. Nesse mesmo período, o comércio registrou uma expansão de 13% no volume de vendas. Mesmo consumindo mais, os brasileiros encontraram folga para poupar. Sinal disso é que o valor total de recursos captados pelos planos de previdência privada ganhou 28% nos três primeiros meses do ano. O desemprego recua aos menores níveis históricos, e a renda dos trabalhadores passa por uma recuperação paulatina mas constante. Se fosse possível medir a temperatura atual da economia, esse termômetro exibiria em seu visor o número de 12%. Foi nesse ritmo que o PIB (produto interno bruto, o total de mercadorias e serviços produzidos) avançou nos três primeiros meses do ano, de acordo com estimativas dos economistas do Itaú Unibanco. No ano como um todo, o crescimento do PIB deverá ficar ao redor de 7%, o que seria a maior taxa desde 1986, quando houve o Plano Cruzado. Esses números extraordinários representam uma primeira maneira de retratar o momento promissor, algo não visto em mais de uma geração. Outro indicativo da saúde do Brasil pode ser visto no interesse inédito despertado pelo país lá fora (veja a reportagem). Um modo mais palpável de sentir esse mesmo fenômeno é observar diretamente como os empreendedores brasileiros têm tirado proveito dessa fase de prosperidade.
Na crise, surgem as melhores oportunidades de negócios, afirma o dito. A prática, no entanto, mostra que é na maré alta que as empresas singram novos mares e conquistam territórios. Para a fábrica de sorvetes Frutos do Cerrado, de Goiás, o boom econômico representou multiplicar por 20, na última década, a sua produção, hoje avaliada em 70.000 picolés por dia. Já a empresa de cosméticos mineira Kapeh conseguiu dobrar o número de lojas que vendem seus produtos no último ano. A Tramontini Implementos Agrícolas, do Rio Grande do Sul, multiplicou por 6 o seu faturamento desde 2006. A rede Óticas Diniz, nascida há dezoito anos em São Luís, no Maranhão, alcançou 450 lojas em todos os estados e se tornou a maior rede de vendas de óculos do país. Os exemplos acima, assim como as demais histórias de sucesso recente que ilustram esta reportagem, dão uma mostra real de como a riqueza se espalha pelo país, em diferentes setores e regiões. De cada um desses casos é possível extrair uma lição de empreendedorismo e de como tirar proveito da retomada econômica para impulsionar os lucros.
Graças à estabilidade e ao retorno do crescimento, colocar um projeto de pé, batalhar para fazê-lo deslanchar e transformá-lo em um negócio rentável voltou a ser um sonho realizável. E como. Estima-se que, no último ano, aproximadamente 50.000 brasileiros tenham ingressado no clube dos milionários. Milionárias, de acordo com o critério utilizado por instituições financeiras para identificar possíveis clientes de alta renda, são aquelas pessoas que possuem um patrimônio equivalente a 1 milhão de dólares, ou 1,8 milhão de reais, com recursos livres para investir (não se incluiu, portanto, o valor da residência própria). A cada dez minutos, em média, brota um novo milionário no país. "Hoje, o Brasil é o destaque do mundo. Tenho muitos clientes comprando seus concorrentes ou vendendo suas empresas para os estrangeiros. Isso só fortalece e consolida a estrutura empresarial do país", afirma Celso Scaramuzza, diretor da divisão de wealth management (ou gestão de fortunas) do Itaú Unibanco.
Os cínicos poderão condenar o aumento do número de milionários no Brasil. Verão nele um jogo de soma zero, sob o prisma equivocado de que "o que é ganho por alguém é perdido por outrem". Esse não passa de um dos enganos típicos do senso comum descritos pelo economista americano Thomas Sowell em seu livro Economic Facts and Fallacies. Uma transação comercial quase sempre é benéfica para ambas as partes, argumenta Sowell. Tanto quem vende um produto (para ganhar dinheiro) como quem o compra (por necessidade) sai ganhando com o negócio. Afirma o autor: "Diversas versões dessa visão de soma zero, da Teoria de Imperialismo de Lenin à Teoria da Dependência na América Latina, alcançaram uma grande aceitação no século XX e revelaram-se bastante resistentes diante de evidências em contrário". Foi com base nessa ideia equivocada que o Brasil embarcou, nos anos 70, na reserva de mercado e se fechou ao comércio internacional. O resultado foi um crescimento insustentável, que legou uma economia ineficiente e incapaz de enfrentar a concorrência externa. Sob o dirigismo do capitalismo de estado, o país emergiu mais injusto e desigual.
No passado, a riqueza de uns só podia ser construída a expensas de outros. Não é, em absoluto, o que se vê hoje no país. Diz o economista Marcelo Neri, coordenador do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas: "O brasileiro está com mais dinheiro no bolso por causa de seu próprio esforço, beneficiado pela melhora no mercado de trabalho e no aumento do salário real. Esse avanço não se deve simplesmente a fatores como programas sociais, que não trazem um bem-estar efetivo e duradouro".
Segundo um estudo recente do economista, enquanto o consumo aumentou 14,9% nos últimos cinco anos, a renda dos brasileiros aumentou praticamente o dobro: 28,6%. Isso dá a medida da sustentabilidade da atual fase de crescimento. Nos anos 90, o consumo explodiu, mas a média da renda das pessoas praticamente não mudou. O que aconteceu nesse período? Apenas o topo da pirâmide social estava gastando (e se endividando) mais. Agora todo o conjunto da população está com mais dinheiro no bolso (veja o quadro). Desde 2000, 23 milhões de pessoas ascenderam à classe C, deixando os estratos mais pobres (classes D e E). Projeções de Neri indicam que esse movimento continuará nos próximos anos. A fatia da classe AB será a que mais engordará até 2014. Já a classe E, em que estavam três em cada dez brasileiros em 2003, recuará para 8% da população. Essa transformação se deve à criação de empregos e à formalização de trabalhadores que antes viviam de bicos. Apenas em 2010 deverão ser criados 2 milhões de empregos com carteira assinada. Serão 2 milhões de consumidores em potencial a mais. "Se o empresário está contratando num país como o Brasil, com cargas tributárias altíssimas, é porque ele está otimista com o futuro da economia", afirma Rodrigo Teles, diretor do Instituto Endeavour, que apóia o empreendedorismo no país.
A maré, portanto, permanecerá em alta, impulsionando os negócios – e multiplicando ainda mais os milionários. Segundo um estudo conjunto da consultoria inglesa Economist Intelligence Unit e do banco inglês Barclays, em 2017 o clubinho das pessoas com uma conta bancária superior a 1 milhão de dólares deverá possuir 675 000 sócios brasileiros. Caso essas estimativas sejam confirmadas, nenhum outro país em desenvolvimento terá tantos milionários quanto o Brasil. Mas como ser um desses felizardos? Como aproveitar o aumento do consumo e da elevação da liquidez na economia para fundar um negócio? Como deixar de ser um simples assalariado, ainda que de vida estável e bem remunerado, e amealhar 1 milhão de dólares? Em primeiro lugar, deve-se não ser apenas mais um. Ofereça algo novo e exclusivo num mercado em expansão. A MMartan percebeu que as donas de casa buscavam jogos de cama e toalhas mais refinados. Tinha um ótimo produto disponível, e assim cresceu rapidamente quando a demanda ganhou força. Aqui cabe outra lição. Cedo ou tarde, a maré subirá. Esteja preparado para surfar na bonança, como a Schaefer Yatchs. "Dediquei toda a minha vida para ser o maior fabricante de iates do Brasil", afirma Marcio Schaefer.
Atuar num mercado em rápida expansão é uma das características em comum de todas as histórias desta reportagem. Escolher bem um segmento, estudar quem são os seus principais concorrentes e, por fim, saber como se diferenciar (pela qualidade, pelo preço, pelo atendimento) são, contudo, requisitos vitais. "Empreender é correr riscos calculados. O verdadeiro empreendedor corre riscos quando sabe que tem grandes chances de acertar", afirma Renato Fonseca de Andrade, consultor do Sebrae. Além disso, por mais que os ventos soprem a favor, fazer negócios no Brasil ainda é um tormento. Quem escolhe se lançar nessa aventura precisa saber que o seu empreendimento exigirá uma dedicação obsessiva, sobretudo nos estágios iniciais. "As barreiras burocráticas e cargas tributárias são tão altas no Brasil que, se não tiver muita paixão e determinação, o negócio não vai dar certo", afirma Edgar Diniz, criador do canal Esporte Interativo. Segundo David Kallás, professor de gestão estratégica do Insper, o pequeno empresário precisa viver o seu negócio incessantemente: "Não há dias de descanso. O empreendedor trabalha enquanto assiste ao jogo de futebol no domingo à tarde e está conectado com tudo o que acontece ao seu redor. É assim que ele consegue ter novas ideias".
A boa e nova revelação é que hoje, no Brasil, o talento e a persistência têm grande chance de ser sobejamente recompensados. Vale a pena ousar e ir atrás de um sonho antigo, mesmo que existam dificuldades no início. "Nunca desista. Esteja disposto a mudar de tática, mas não desista de seu propósito essencial", afirma Jim Collins, um dos mais admirados consultores da atualidade, nos parágrafos finais de Como as Gigantes Caem (editora Campus), que acaba de ser lançado no Brasil. No livro, em que o autor americano analisa os motivos que levam empresas vitoriosas a entrar em declínio, Collins oferece lições primorosas de como manter um negócio em ascensão. A persistência em se manter fiel aos seus princípios e aos seus ideais originais, afirma ele, é essencial, assim como a dedicação e a humildade de rever estratégias quando a queda começa a se revelar. "O fracasso é menos um estado físico e mais um estado de espírito", afirma Collins. "O sucesso é cair e voltar a se levantar, vez após vez." Até conquistar o suado primeiro milhão.
Fonte: http://veja.abril.com.br
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